09 julho 2014

Da repescagem de textos antigos

Net, fotografia de JMAC, o homem de Azeitão


Há pouco mais de seis anos, duas semanas depois de inaugurar este estabelecimento e uma semana antes de partir para o Zimbabwe, escrevia o texto abaixo - 30 de Julho de 2008. Não sei se tenho distância suficiente para me aperceber das várias fases porque passou este blogue. Teve tristeza feita de paredões ao som da ronca do nevoeiro, teve uma alegria marcadamente africana entremeada, aqui e ali, por nostalgias, teve uma pujança criativa quando vários amigos e familiares se atiraram ao alindamento do espaço.  

Várias vezes pensei em fechar o Adeus, até ao meu regresso. Mantive-o aberto por teimosia, por convicção, por não querer acabar com a oportunidade de um ou outro (eu incluído) se atirarem à escrita. Sou lido por uma falange diminuta e estranhamente fiel de pessoas, os comentários penduram-se nos dentes de um garfo, em dias bons. Dizem-me pessoas próximas que não percebem textos que eu escrevo, que no tempo de África é que era bom. Outros sentem o peso da repetição das frases, das palavras, dos raciocínios. Olho para o blogue e penso: o estabelecimento e o dono confundem-se? Para já vai ficando aberto, até porque gosto de ler quem por aqui se revela com frequências diferentes.

Olhem, é isto, no fundo...

JdB

***

Tem ido ao meu blogue?Sim, todos os dias.E então, o que acha?Em tudo se vislumbra uma nota de tristeza…

Foi este o curto diálogo que tive, no passado Domingo, com alguém que me é próximo. Uma hora depois repetia a segunda pergunta da conversa a duas ou três amizades que conhecem relativamente bem a pessoa que sou e a minha circunstância. Recebi um conjunto de respostas que se enquadram na categoria das que não oferecem margem para dúvidas:

Talvez, talvez. Pois, não sei. Um bocadinho, se calhar. Agora que fala nisso. Não me tinha ocorrido. Deixe-me pensar. Não sei bem o que lhe diga. Olhe…

Talvez o blogue esteja mesmo triste, com salpicos, aqui e ali, de uma alegria contida. Posso dizer-vos, com toda a franqueza, que aquilo que se pode lobrigar como uma nota de infelicidade está no domínio do não intencional, não se enquadrando, ainda, na categoria do não desejável. Sou visitante da blogosfera há muito pouco tempo. Entre os que peroram sobre os silêncios de Manuela Ferreira Leite e o desempenho do Ministro da Agricultura e os que revelam os seus estados de alma, as suas vontades e desejos – ou mesmo as suas neurastenias – prefiro estes últimos. Entre a informação opinante e a alma desnuda não sinto o embaraço da escolha.

Nunca quis ser juiz e observo os que o são com um olhar misto: de irritação por uma sobranceria eventualmente pontual; de terror pelo facto das suas decisões poderem afectar, tão directamente, a vida de alguns; por último, de pena, por sentir que baila, nas suas mentes, o fantasma da dúvida ou a sombra da compaixão.

Se a vida fosse asséptica e perfeita, juízes e réus dormiriam a mesma qualidade de sono, seriam afectados pela mesma insónia que caracteriza os incomodados, e roncariam a mansidão que identifica os tranquilos de consciência. Adivinho ambos os extremos da cadeia da justiça vítimas de uma espertina maldosa, com os olhos esgazeados para um tecto que não vêem enquanto o relógio avança os minutos com um vagar de corredor da morte. Uns terão dentro de si a dúvida angustiante sobre a justiça da decisão, sobre a sua relativa irreversibilidade, sobre a data que se aproxima para a execução de uma pena. Os réus poderão questionar-se sobre a dimensão do castigo e a sua proporcionalidade ao crime cometido e lamentarão, quiçá, a incapacidade que tiveram de fugir ao comportamento desviante.

Alguém escrevia, como subtítulo ao seu espaço internético, que a vida é desenhada sem borracha. É verdade, no sentido, talvez, de não podermos apagar o nosso passado, calcetado de erros e acertos. Eu contribuo para esta visão de casa havaneza, atirando para o fundo da gaveta uma caneta de tinta permanente que mão amorosa me ofereceu. É a minha metáfora pessoal para afirmar que nada é, também, definitivo. Nem o que nos apraz, nem o que nos contrista. A lua e as suas fases reflectem isto mesmo, ao não oferecer a esperança ininterrupta do quarto crescente nem impor a desgraça constante do que é minguante.

Em tudo se vislumbra uma nota de tristeza…
Olho para a vida dos juízes e dos réus (pensando que se confundem, por vezes, uns e outros, não se sabendo exactamente quem é quem) para a borracha e para a caneta que não fazem parte do kit que nos oferecem para a vida e penso que está tudo certo, está tudo como pode ser – sei lá se está como devia ser.

Partir é morrer um pouco, e até a contagem decrescente coincidir com o zero, que é o nada do inexistente, é tempo de abalada. Toda a viagem tem como prelúdio uma despedida que se vai fazendo ao ritmo do que nos manda o impulso ou a decisão. Negar o adeus a quem quer que seja é negar a natureza das coisas. Quando o olhar estiver para lá do horizonte, abrir-se-á uma nova frente na vida, feita daquilo que já foi, daquilo que é, e daquilo que está para vir.

Até lá é isto, para os poucos que me vão lendo.

Adeus, até ao meu regresso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Em tudo se vislumbra, sensibilidade, conhecimento e sabedoria de uma vida vivida e reflectida.
Obrigado, pf continue a postar.

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