Há dias, recebi uma interpelação muito oportuna de
uma amiga, a sugerir oferecermos, durante esta semana, 46 minutos da nossa
vida. É a duração do testemunho de uma missionária argentina, que se está a
tornar viral, no youtube. Mudou-se para a Síria, há mais de 5 anos, porque
precisava de repouso, depois dos anos turbulentos e perigosos passados no
Egipto. Só que a guerra chegou rapidamente à Síria. Isso é que não estava no
programa.
Vale a pena ouvir a Irmã Guadalupe, seja enquanto
fonte noticiosa fidedigna para descobrirmos o rol intrincado de enviesamentos da
maioria dos media sobre aquela estranha guerra, seja como gesto em favor da
paz, seja também como gesto cristão para aprofundar a caminhada quaresmal e
inspirar contributos úteis. Tudo nos convida a parar e a conhecer a sua
vivência salerosa e carregada de
Esperança, apesar das circunstâncias de inferno a que está sujeita. Nem é
garantido que esteja ainda viva. Atordoa a sua luminosidade, pois nada consegue
afectar a boa disposição nem a vontade de continuar a fazer o Bem:
Seguem
várias das citações elencadas no OBSERVADOR de 25 de Fevereiro, com pequenos
ajustes na tradução:
· “Basta de apoiar grupos terroristas! Basta de vender
armas à oposição moderada, porque a oposição moderada não existe, na Síria!
Pensemos como seria fácil de acabar com tudo isto, se se parasse com a venda de
armas.” (16:50 – 17:15)
· “Já sabemos que as ruas estão cobertas de franco-atiradores.
Nessas zonas temos de correr muito. É a vida quotidiana desta gente. Sobretudo nos
bairros cristãos. A queda de projéteis é tão frequente que as pessoas falam
disto como se fosse da chuva. Utilizam o mesmo termo, em árabe.” (19:10
– 19:34)
· “Nós, em particular, já sofremos ataques muito próximos.
Nesse sentido, já vi a morte passar muito perto – a uns metros, a uns minutos.
Um dos ataques mais fortes ocorreu a 50 metros do episcopado, onde vivemos (…)
Havia um grande bosque, quiosques ambulantes, tendas de refugiados. Tudo voou
com a queda de um míssil. Não (era) um projétil, mas um míssil que provocou 400
mortos e centenas de feridos, à uma da tarde. Eu, nesse momento, estava a subir
para o terraço, no 4º andar. Saí para o terraço, quando um dos sacerdotes me
chamou do andar de baixo, e eu disse: ‘Padre, já vou; são só dois minutos’ (…) O
padre disse: ‘Não irmã, venha, desça’. Santa obediência! Fechei a porta, desci,
dei apenas alguns passos até ao padre… e o míssil caiu.” (21:30 – 22:38)
· “Os sacerdotes saíram imediatamente para a rua a assistir
às vítimas (…) Nós estávamos a tentar encontrar as nossas estudantes. Como vos
disse, temos uma residência para universitárias. Faltava-nos uma! E encontrei-a
sentada num banco da catedral, no meio do caos e da confusão. Quando me
aproximei, ela gritava queixando-se que lhe doía o braço. Eu disse-lhe: ‘Deve
estar partido, não é nada’. Para a aliviar, tirei-lhe o casaco. Aí dei-me
conta, ao tirar-lhe o casaco, de que das costas lhe saía um ferro. Tinha um
ferro ali cravado! Levámo-la a um hospital (…) e salvaram-na. O ferro tinha
atravessado a omoplata e perfurado o pulmão. Estava a asfixiar. Chama-se
Edra”. (22:52 – 23:38)
· “Eu tenho 42 anos e nunca me tinha ocorrido, até viver em
guerra, acender a luz e dizer: ‘Senhor obrigada! Tenho eletricidade’. Ou quando
chega a água, mais ainda. Porque a água chega de 10 em 10 dias”. (29:41
– 29:56)
Nas palavras da tal amiga interpelativa, com uma conclusão certeira: Guadalupe
«mostra um outro olhar sobre a guerra na Síria, e
os interesses que a movem, sobre os refugiados, e os erros cometidos na
abordagem deste problema, nas manobras da comunicação social, que está ao
serviço de interesses. Mas, sobretudo, dá a conhecer alguns dos milhões de
cristãos que morrem perseguidos e a fé forte e sustentada na rocha daqueles que
tentam levar uma vida normal numa cidade destruída: estudam, casam, fazem
exames, riem, vão à missa... "porque a alma ninguém pode matar"...
Qual o sentido da vida? (…) Temos que rezar por eles? Claro que sim! Mas depois de escutarmos a Irmã ficamos é com
muita vontade de pedir a esses cristãos perseguidos que rezem muito por nós.»
Não há spa nem
festança que surtam um efeito tão desintoxicante e vitamínico no sentido de nos
ajudar a encarar a realidade com tamanha garra e positividade. O repouso no spa
(exemplo de inúmeras outras variedades de descanso), por meritório que seja,
tem um limite bem curto, só convidando a nova sessão. Dificilmente nos prepara
para vivermos melhor e sermos melhores. Por isso, o vídeo de 46 minutos vem a
calhar em Semana pascal, na hora
de pausa e de reactualização do software interior.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
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