Naqueles
típicos balanços do ano para a esperada eleição da personalidade mais marcante
de 2015, a National Geographic (NG) surpreendeu tudo e todos com a sua escolha,
anunciada em Dezembro, mesmo antes do Natal. Era, aliás, a figura de capa da
conhecida revista americana: uma mulher conhecida da maioria, apesar de ter
morrido há perto de 2000 anos. Pelo menos, notoriedade não lhe falta, sobretudo
no Ocidente.
Considerar
«a mais poderosa do mundo» alguém tão longínquo na história parece insólito.
Até porque a formulação da NG tem a ousadia de lhe reconhecer a máxima
actualidade. Talvez as notícias mais recentes, relacionadas com a figura
escolhida, ajudem a perceber esta eleição por parte de um media especialista em
viagens e em explorar o desconhecido. Também ocorre designar a mesma figura de global trotter, no sentido de ser a
maior e melhor viajante do planeta, ainda hoje, pelas mesmas razões por que a
National Geographic a considera poderosa e, sobretudo, tão actuante, no
presente:
A
12 de Fevereiro deste ano, nova surpresa e, de novo, Maria envolvida no caso:
numa sala do aeroporto de Havana, o Papa Francisco e o Patriarca Kirill de
Moscovo e de Todas as Rússias encontraram-se pela primeira vez, após o Grande
Cisma do Oriente, em 1054, quando a Igreja Ortodoxa se separou do resto da
Cristandade. Sim, trata-se de mais uma história milenar (ainda assim, pouco
para uma Senhora bimilenária), com a particularidade de só serem conhecidos dois
episódios públicos, com 1000 anos de intervalo e sem nenhum dos envolvidos ter
perdido o fio à meada. Convenhamos que é, no mínimo, atípico em seres humanos,
esta relação tão paciente e ampla com o tempo.
Na
troca de presentes entre Francisco e Kirill, Maria era o melhor presente vindo
das terras geladas da Rússia para descongelar uma relação que parecia ter
ficado petrificada no frio. Afinal, não! Por essas e por outras, a NG a
considera tão poderosa.
Passo
ao artigo gentilmente cedido por familiar próximo, que explica o percurso
atribulado de um ícone muito viajado, com Portugal incluído no itinerário,
antes de ter aterrado em Cuba:
Na
viagem ao México, Francisco brincou com o assunto: até os mexicanos ateus se
identificam com a mensagem de Nossa Senhora em Guadalupe. Quanto mais ele,
Papa! Na viagem de ida anunciou: «O meu desejo mais íntimo é ficar a olhar para
a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, um mistério que se estuda, estuda,
estuda e continua sem explicação… é uma coisa de Deus». O Papa referia-se a
algumas características daquela imagem que ainda hoje não se conseguem imitar,
mas o importante para ele era ficar a olhá-la e saber-se olhado. O santuário
percebeu o recado e colocou-lhe uma cadeira em frente da imagem, para que o
Papa se demorasse ali, quase sozinho. Quando os jornalistas lhe perguntaram o
que tinha estado a rezar durante aquele tempo todo, Francisco desvendou uma
ponta, mas guardou o resto: «…as coisas
que um filho diz à sua querida mãe são um segredo!».
Na
escala anterior, em Cuba, o Papa tinha-se deparado com outro sinal
impressionante do poder de Maria. É uma longa história, com passagem por
Portugal: o ícone de Nossa Senhora de Kazan que o Patriarca Kirill ofereceu ao
Papa.
O ícone de Nossa Senhora de Kazan
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A
imagem original, pintada em data incerta, esteve vários séculos no mosteiro de
Kazan e dela se fizeram muitas reproduções, em igrejas espalhadas pela Rússia.
Despareceu em 1209, nas guerras, e foi recuperada em 1579, nos escombros de um
incêndio, em circunstâncias miraculosas. Tornou-se então a referência da
Rússia, a salvadora da pátria: primeiro contra os polacos; depois contra os
suecos; a seguir contra Napoleão. A imagem tornou-se o ícone da família do Czar
e Pedro o Grande colocou uma cópia na catedral dedicada a Nossa Senhora de
Kazan, em São Petersburgo, a nova capital. Esta catedral também tem uma
história curiosa. Nalgumas fotografias, parece a praça de S. Pedro em Roma, com
a colunata e a basílica, e a intenção era mesmo essa, como expressão do anseio
de a Rússia se unir novamente à Igreja católica. A Igreja ortodoxa protestou
com todas as forças contra aquela arquitectura, mas o Czar foi mais teimoso.
A
imagem foi roubada da catedral em 1904 e por isso os comunistas já não lhe
deitaram a mão, limitaram-se a destruir os outros exemplares e arrasar as
respectivas igrejas, ou destiná-las a instalações sanitárias e funções
ridículas. Só conservaram a catedral de São Petersburgo, para Museu do Ateísmo.
Ao cabo de clandestinidades várias, o ícone escapou da União Soviética e foi
parar às mãos de comerciantes oportunistas. A associação católica «Exército
Azul» (azul, cor de Nossa Senhora) resgatou-o colocou-o na capela
bizantino-russa da «Domus Pacis» (Casa da Paz), junto ao santuário de Fátima, à
espera de ser devolvida aos russos. Em 1993, depois da queda do muro de Berlim,
foi para Roma, onde o Papa João Paulo II a guardou com grande devoção no seu
gabinete, com a intenção de a levar pessoalmente à Rússia. Infelizmente, a
igreja ortodoxa russa rejeitou todas as tentativas de o Bispo de Roma visitar o
país.
Em
1997, ao tornar-se pública alguma documentação da II Guerra Mundial, soube-se
que Elias, então Metropolita russo no Líbano, tinha enviado uma missiva a
Stalin, levada em mão pelo próprio Chefe do Estado-Maior da Armada Vermelha, a
contar-lhe uma visão: Stalin devia libertar o clero da prisão e deixar que o
ícone de Kazan fosse levado em procissão em várias cidades. O receio
supersticioso de Stalin explica o chamado «período religioso» (entre 1941 e
1942) e o ter atribuído ao Metropolita Elias o prémio Stalin, «por serviços
eminentes à União Soviética e à causa do socialismo». Elias não quis receber
dinheiro do ditador e entregou-o para ajuda aos órfãos da guerra; derrotados os
nazis, Stalin esqueceu o «período religioso».
Em
2004, João Paulo II desistiu de esperar pela oportunidade de visitar a Rússia e
enviou uma delegação para entregar o ícone ao Patriarca ortodoxo, como sinal do
desejo de unidade. A delegação foi acolhida, mas a oferta foi desvalorizada: a primitiva
pintura tinha-se perdido, aquela era só uma cópia, talvez a roubada da catedral
de São Petersburgo; afinal, o Papa só devolvia aos ortodoxos o que já lhes
pertencia…
Tanta
coisa mudou entretanto que Kirill, actual Patriarca de todas as Rússias, escolheu
justamente uma cópia dessa imagem para a oferecer ao Papa Francisco, como
«expressão de unidade».
Artigo
de José Maria André, Fev. 28, 2016,
publicado
no Correio dos Açores , ABC
Portuguese
Canadian Newspaper, Verdadeiro Olhar, Spe Deus
Quando ouvimos tantos analistas
políticos bem informados afirmarem que o mundo está muito perigoso, confirmando
as piores suspeitas, esta Senhora ter tanto poder a mim, pessoalmente, dá-me
enorme esperança! Confio mesmo que a Senhora da Paz revele mais o seu poder,
para bem de todos nós. Fica o pedido a esta Mãe cuidadosa…
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2
semanas)
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