29 janeiro 2018

Texto sobre filmes dos dias que correm

Churchill em “Darkest hour”: Forte porque imperfeito

No filme «Darkest hour», a «hora mais escura» (não a «mais negra», pois há alguma claridade, ínfima, precisamente a que está em causa no filme, que não é sobre a escuridão, mas sobre esse que luta contra ela, assim preservando alguma luz), a certa altura, diz Clementine Hozier, mulher de Churchill, ao velho "bulldog", que ele é forte porque é imperfeito.

Nada mais certo. Aliás, o filme dedica os primeiros minutos a mostrar as muitas imperfeições morais e políticas do filho mais velho de Lord Randolph Churchill e de Jennie Jerome. Churchill era um homem de pequenos vícios, era vaidoso, por vezes, era prepotente, egoísta, explorador da amizade dos que o amavam. Por seu lado, Hitler, em muitos destes aspetos era um homem muito melhor.

A grande diferença residia em que Churchill sempre foi um defensor da decência humana e por isso foi talvez o único verdadeiro democrata que o mundo jamais conheceu, ao passo que o velho Cabo Nazi se transformou no maior monstro tirânico que a história da humanidade já conheceu, empenhado em recosmicizar o mundo segundo o seu modo especial de conceber seres e atos, únicos dignos do seu Reich.

Mas outra diferença manteve Churchill afastado do comum dos seus universais concidadãos habitantes das altas esferas do poder: o velho soldado da guerra dos Boers e perdedor de Gallipoli, soube reconhecer Hitler como suprema besta humana assim que este chegou ao poder, tendo quase imediatamente iniciado uma campanha pública e privada contra o tirano Nazi e a favor da sua remoção do poder, bem como pressionando a preparação militar para o pior cenário esperável por parte das chamadas democracias ocidentais, de que se destacavam a Grã-Bretanha e a França. Infelizmente, os Estados Unidos da América do Norte viviam politicamente alienados numa estratégia isolacionista, como se fosse sensato pensar que ignorando o mal este ignorasse quem o ignora.

Por mais inconveniente que seja ler o que de seguida se afirma, tal é tristemente verdade e tem de ser encarado na dureza do mal que provocou: Hitler fez precisamente isso que quem poderia ter evitado o que fez lhe deixou fazer.

Este filme mostra resumidamente, mas bem, a responsabilidade de quem deveria ter agido para travar Hitler e não agiu, consubstanciando tal na medíocre e pusilânime figura de Neville Chamberlain, o que é injusto, porque, se bem que sua ação fraca junto de Hitler tenha constituído o derradeiro passo na capitulação do Ocidente perante o poder da besta Nazi, há que chamar a atenção para a ação não menos responsável de Stanley Baldwin bem como de sucessivos chefes políticos franceses, detentores durante muito tempo de uma superioridade militar esmagadora relativamente ao que a Alemanha possuía, nada tendo feito para depor pelos meios necessários esse que, desde Mein Kampf – meados da década de vinte –, tinha anunciado uma política de expansão do Reich alemão de índole nazi, com tudo o que tal implicava em termos de sofrimento, destruição e morte para os que fossem eleitos como «indesejáveis».

No filme, surge ainda tratada outra diferença, a que existiu entre os que tinham conduzido o mundo à situação em que se encontrava em 10 de maio de 1940, persistentes na sua cobardia perante o monstro, e Churchill, que mantinha a sua posição de não negociar com a besta, fossem quais fossem os custos.

A intuição é terrivelmente dura, mas terrivelmente verdadeira: negociar com um tirano significa sempre pôr-se sob o seu jugo, de que não há que esperar misericórdia.

A recusa de Churchill em se render perante a aparentemente invencível besta Nazi foi o primeiro passo para a derrota desta e do que representava.

A vitória dos seres humanos imperfeitos, mas minimamente decentes custou muito «sangue, trabalho penoso, suor e lágrimas». No fim, a decência mínima da humanidade venceu.

No entanto, numa altura em que os princípios pelos quais Churchill se bateu estão de novo em causa, perguntamo-nos se terá mesmo valido a pena a morte de tanta gente, para, mais de setenta anos volvidos, estarmos de novo à beira de uma convulsão provocada pela afirmação de renovadas forças tirânicas, ou, como diz o Papa Francisco, quando estamos já numa outra guerra mundial, se bem que ainda por porções.

Mas foi também por porções que a Segunda Guerra foi prenunciada durante os anos trinta.

Esperemos que estejamos errados e que o que se passa no mundo seja apenas uma escaramuça variegada entre formas várias da humana estupidez.

Mas esperemos sentados.

No entanto, se o momento «mais escuro» vier, convém que nos ergamos como o imperfeito Churchill e combatamos a falsa perfeição da tirania.

Ensinaram-me que «perfeito, só Deus».

Américo Pereira
Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas
Imagem: Poster (det.) | D.R.
Publicado em 16.01.2018


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