Somos como o filho pródigo que dissipou a herança do pai: Penitência no encontro sobre a proteção de menores na Igreja
Todos conhecemos a parábola do filho pródigo. Repetimo-la muitas vezes, e muitas vezes fizemos homilias delas. Ela é dada praticamente como adquirida nas nossas congregações e nas nossas comunidades: é narrada aos pecadores para os induzir ao arrependimento. Talvez o façamos tão rotineiramente, que esquecemos uma coisa importante. Esquecemo-nos facilmente de aplicar esta Escritura a nós próprios, para vermos como somos, isto é, filhos pródigos.
Precisamente como o filho pródigo do Evangelho, pedimos a nossa parte da herança, a recebemo-la, e agora estamos diligentemente a dissipá-la. Esta crise dos abusos é uma expressão disso. O Senhor confiou-nos a administração dos bens da salvação, confiando que cumpriremos a sua missão, proclamaremos a Boa Nova e contribuiremos para estabelecer o Reino de Deus. Em vez disso, o que fazemos? Fazemos justiça ao que nos foi confiado? Não poderemos responder a esta pergunta com um “sim”, disso não há dúvida.
Demasiadas vezes ficámos parados, olhámos para o outro lado, evitámos conflitos – estávamos demasiadamente comprazidos para nos confrontarmos com o lado escuro da Igreja. Por isso traímos a confiança que nos tinha sido depositada, em particular no que diz respeito ao abuso no âmbito da responsabilidade da Igreja, que é substancialmente a nossa responsabilidade. Não garantimos às pessoas a proteção a que têm direito, destruímos a esperança e as pessoas foram brutalmente violadas no corpo e no espírito.
O filho pródigo do Evangelho perde tudo: não só a sua herança, mas também o seu estado social, a sua boa posição, a sua reputação. Não nos devemos surpreender se nos coubesse um destino semelhante, se as pessoas falam mal de nós, se há desconfiança em relação a nós, se alguns ameaçam retirar o seu apoio material. Não devemos lamentar-nos disso; antes, devemos perguntar-nos o que deveremos fazer de maneira diferente. Ninguém se pode eximir, ninguém pode dizer: mas eu, pessoalmente, não fiz nada de mal. Nós somos irmãos (no episcopado), e não somos responsáveis só por nós próprios, mas também por cada um dos outros membros da nossa irmandade e pela irmandade em si mesma.
O que devemos fazer de maneira diferente, e por onde devemos começar? Olhemos ainda o filho pródigo do Evangelho. Para ele, a situação começa a melhorar quando decide ser muito humilde, quando decide realizar tarefas muito simples e não pretender qualquer privilégio. A sua situação muda quando ele se reconhece e admite ter cometido um erro, confessa-o ao pai, fala disso com ele abertamente e está pronto a sofrer as consequências. Desta maneira, o Pai experimenta a grande alegria pelo regresso do seu filho pródigo, e ajuda a fazer com que os irmãos se aceitem mutuamente.
Seremos capazes de fazer isto? Queremos fazê-lo? O atual encontro revelá-lo-á, deve revelá-lo se queremos demonstrar que somos dignos filhos do Senhor, o nosso Pai celeste. Como escutámos e discutimos hoje e nos dois dias anteriores, isto implica assumir responsabilidade, dar conta do dever de prestar contas e instituir a transparência.
O caminho diante de nós para concretizar verdadeiramente tudo isto de maneira sustentável e apropriada é longo. Obtivemos vários progressos caminhando a diferentes velocidades. O encontro atual foi apenas um passo de muitos. Não acreditamos que só porque começámos a mudar alguma coisa entre nós, todas as dificuldades estão eliminadas. E como para o filho do Evangelho que regressa a casa, nem tudo está resolvido – pelo menos terá de reconquistar o seu irmão. Nós deveremos fazer a mesma coisa: devemos reconquistar os nossos irmãos e irmãs nas congregações e nas comunidades, reconquistar a sua confiança e voltar a obter a sua disponibilidade para colaborar connosco, para estabelecermos juntos o Reino de Deus.
* D. Philip Naameh, arcebispo
Presidente da Conferência Episcopal do Gana
Intervenção na celebração penitencial do encontro "A proteção dos menores na Igreja", Vaticano, 23.2.2019
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 23.02.2019
As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
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