08 fevereiro 2019

Dos cuidadores informais

Estive ontem presente, na minha qualidade de presidente da Acreditar, na sede do CDS em Lisboa, para participar como orador numa conferência sobre o estatuto do cuidador informal. A minha participação é demonstrativa, sobretudo, da boa imagem positiva da Acreditar, uma vez que o estatuto do cuidador informal tem uma importância muito superior para outras associações / outras realidades, confrontadas com problemas, num certo sentido, mais graves. Algumas notas, apesar de tudo:

1) Não entrava na sede do CDS há mais de 40 anos, seguramente. Foi no CDS que fiz a minha introdução à política embora, vivendo fora de Lisboa, as minhas idas à sede se destinassem, maioritariamente, a recolher tinta, pincéis, cola, cartazes. A minha militância fez-se na rua, pintando paredes, ou num ou noutro episódio como elemento de uma equipa constituída para proteger alguma coisa. Nunca vivi momentos de aperto, salvo alguns encontrões no liceu. Mas eram tempos definidos, com barricadas e inimigos definidos. Em perigo estava a liberdade (ou o nosso entendimento de liberdade) de ser conservador, de manter propriedade privada, de ser católico. Agora, parece-me, é tudo mais vago: luta-se pelo conforto, pela regalia, pelo direito adquirido.

2) Ouvir alguns relatos de cuidadores é por as nossa pequenas preocupações burguesas em perspectiva. Ouvir pessoas que cuidam de filhos deficientes há mais de 50 anos, ou que tomaram conta de uma irmã a quem foi diagnosticado Alzheimer aos 48 anos, ou que são mãe de uma criança de 4 anos com 90% de incapacidade e uma doença rara é, de facto, um pontapé de realidade. Estes cuidadores, como não se constituem em grupo de pressão, não são ouvidos, não têm férias, não têm onde por as pessoas (dizem-me que os lares especializados em Alzheimer satisfazem 1% das necessidades, e que nos outros lares os idosos dementes são amarrados e postos a dormir o dia todo)  ou, se houver sítio, não tem dinheiro. Dizem-me que a estatística de divórcios numa casa onde um filho é deficiente pode atingir os 90%, com graves prejuízos das mulheres. Falam-se das pessoas que perderam carreiras contributivas e perspectivas de carreira, que anularam sonhos e devaneios. Dizem-me muito, e também me dizem da total desilusão com o Estado social, com os apoios da Segurança Social. E falam-me de idoso de 80 anos que tomam conta de idosos de 80 anos.

3) O último período da conferência é dedicado a perguntas e respostas. Entregam, sucessivamente, o microfone a 5 pessoas. Nenhuma delas faz perguntas,  uma ou outra faz intervenções pertinentes. Os outros - e para mais não houve tempo - relatam o seu caso, contando histórias suas em discurso directo, falando da sua vida, das suas dificuldades, das suas alegrias ou dos seus problemas. Na verdade, as pessoas vêm-se com um microfone na mão e sobem a um patamar diferente. Mas também acontece que as pessoas querem deseperadamente falar do seu caso, talvez porque não há ninguém que as queira ouvir. Seja por falta de compaixão, seja por falta de solução...

JdB  

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