Um grupo de aventureiros, liderado pelo fotógrafo russo Mikhail Mishainik, resolveu explorar os túneis subterrâneos de uma mina de sal desactivada e situada no subsolo do terceiro maior polo industrial da Rússia – Ecaterimburgo (ou Yekaterimburgo).
Nessa cidade importante da Eurásia, o grupo expedicionário ficou siderado com a beleza dos veios minerais multicolores que se entrelaçam ao longo dos canais perfurados nas profundezas do planeta, decorando-os sumptuosamente desde o chão até ao tecto. Ao festival de cor juntam-se padrões simétricos de baixos-relevos, num movimento bem sincronizado com o cromatismo rico daqueles subsolos artísticos. Felizmente, a aventura foi bem documentada, desvelando o virtuosismo da natureza em arte plástica. De outro modo, a profusão de obras-primas continuaria desconhecida:
Como se a azáfama pictórica fosse insuficiente, a natureza esmerou-se também em proezas escultóricas. |
A paisagem em redor das minas já tem uma marca surreal.
A abundância de carnalite de diferentes tons produziu tramas de efeito visual artístico e vanguardista, percebendo-se o atributo psicadélico com que foi cunhada a gruta decorada por artimanhas naturais. Como se a natureza tivesse tido aulas com Rothko, Kandinsky, George Braque, Delaunay, Arpad Szènes… e seminários com Amadeo de Souza-Cardoso, Picasso, Mondrian, Almada, Escher, Gerhard Richter. Porém, a lista de mestres teria de se multiplicar, face à transfiguração de velhos trilhos mineiros num museu de arte contemporânea, que se estende por um intrincado labirinto de quilómetros. Pena ser inacessível…
O fotógrafo explorador não omite os perigos que a expedição envolveu, desde logo, de envenenamento pela presença de gases tóxicos. Mas encara-os como factor extra de adrenalina. Aquela viagem ao centro da terra, à Júlio Verne, prolongou-se por 20 horas e exigiu um labor minucioso, quer nos preparativos, quer na montagem in loco de inúmeras pontes e passagens para o grupo avançar pelos túneis com alguma segurança. As imagens obtidas coroaram de êxito o imenso esforço, trazendo à luz do dia uma arte moderna onde nenhuma mão humana interveio, se não para a fotografar.
O fotógrafo líder da expedição à direita. |
Tanta beleza subterrânea confirma a actualidade daquele dizer muito antigo e verdadeiro para lembrar o esplendor dos lírios do campo, sumamente frágeis, a nascer ao sabor de ventos e abelhas e de longevidade curtíssima, mas nem por isso menos perfeitos. Misterioso mundo habitado por uma beleza festiva, que não se importa de ser fugaz, nem de permanecer oculta em lugares intocados, mas nunca desiste de ser pródiga em feitos lindos, muitos (talvez a maioria) dos quais poucos chegam a conhecer. Shakespeare, pela boca de Hamlet, profere (mais) uma sábia reflexão sobre essa beleza maior, inalcançável e até incompreensível para os critérios humanos, mas que não deixa de estar presente, aqui e agora, como o atestam, num certo sentido, as cavernas quase intransitáveis de Ecaterimburgo: «Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia.» [Acto I, Cena V].
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
3 comentários:
Excelente.
Pena o «se não»
cumps
ao
100%. Quase apetece ter aquela dose louca de aventureirismo e desbravar aquelas 'pinturas' da natureza. MZ
100% de acordo (queria dizer)
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