Durante sete dias únicos, de 17 a 23 de Fevereiro, as 12 tapeçarias monumentais concebidas por Rafael para a Capela Sistina estiveram suspensas no local para onde tinham sido concebidas, à vista da criação e do julgamento final pintados por outro génio da mesma época – Michelangelo.
A encomenda a Rafael, pelo Papa Leão X, correspondia ao costume antigo de adornar a maior Capela Pontifícia para as cerimónias litúrgicas solenes. Os panejamentos gigantescos revestiam a parte inferior das paredes, ao nível dos olhos, funcionando como painéis movíveis.
O pintor, que morreu aos 37 anos, já não viu as tapeçarias manufacturadas a partir dos desenhos lindíssimos, que fizera num escasso biénio (1515-16), enquanto pintava os murais de várias salas dos Museus Vaticanos, hoje conhecidas pelo seu nome. Demorou 4 anos, o trabalho de tecelagem executado no famoso atelier de Pieter van Aelst, em Bruxelas, com fios de seda, lã e prata dourada. Depois de prontas, as 12 obras-primas conheceram um destino turbulento, só retornando ao Vaticano no século XIX.
Apenas 7 dos desenhos originais de Rafael, que serviram de modelo à manufactura de Bruxelas, sobreviveram, sendo hoje propriedade do Museu Victoria & Albert de Londres.
O primeiro grupo de sete tapeçarias foi colocado na Capela Sistina, a seguir ao Natal, a 26 de Dezembro de 1519, como um presente soberbo daquele ano. A totalidade das doze ainda pôde ser apreciada por Leão X, mesmo antes de morrer, em 1521. Mas foram logo vendidas, para pagar o funeral do Papa.
Um ano depois eram recuperadas, para abrilhantarem a cerimónia de entronização do Papa Adriano VI. Em 1527, foram saqueadas. Porém, em 1544, voltaram à coleção da Santa Sé.
Em 1798, durante a ocupação francesa de Roma foram roubadas e depois vendidas ao desbarato a um comerciante. Finalmente, em 1808, regressaram aos Museus Vaticanos, onde permanecem.
Em 1983, na celebração dos 500 anos do nascimento de Rafael, algumas das tapeçarias estiveram suspensas no lugar que lhes fora destinado – a Capela Sistina – em diálogo com os frescos de Michelangelo, dedicados ao alfa e ómega da humanidade. Por seu turno, as peças de Rafael, dedicadas às vidas do Apóstolo das Gentes e do Primeiro Papa, entrelaçam a história humana com a história da Igreja – chamada a ser presença de Deus no tempo dos homens.
Para a Directora dos Museus Vaticanos, esta exposição-relâmpago de luxo pretendia: «fazer uma representação histórica, retornando[-as] ao local para o qual foram encomendadas em 1515 e onde foram penduradas em 1519 as maravilhosas tapeçarias dos desenhos de Rafael, que são realmente um acabamento teológico e visual daquela magnífica catequese visual que é a Capela Sistina», com possibilidade de visita virtual:
Segundo a investigadora e teóloga norte-americana Jill Alexy, a narração das biografias de S. Pedro e S. Paulo, pontuadas por milagres eloquentes da Voz que os inspirava, mostra a harmoniosa «união dos seus esforços humanos, como ministros da Palavra e do Altar, com a atividade transcendente do Espírito Santo. (…) É uma maneira incrivelmente bela de ilustrar a teologia bíblica e a pneumatologia [tratado sobre o Espírito Santo], que encontramos nos Actos dos Apóstolos».
A feliz junção das obras de Rafael e de Michelangelo num mesmo espaço, visava oferecer pela Beleza uma pedagogia especialmente adaptada aos anos atribulados da Reforma. Como explicava Jill A.: «deve ter sido uma ferramenta útil [no contexto da reforma protestante] ver as tapeçarias, ver os frescos, andar no chão cosmatesco e ouvir o canto da oração que acompanhou toda a experiência». «[No] impressionante cenário [da capela Sistina], o efeito visual é o de olhar para cima através do ministério e dos milagres dos apóstolos, [começando] no registo mais baixo». «É claro que esta dramática viagem pictórica através da história da salvação [proporcionada pelos frescos de Michelangelo] não pode ser considerada completa sem as tapeçarias, que são parte integrante de toda a experiência sensorial».
Talvez ninguém tenha expressado melhor o efeito esplendoroso das 12 peças de Rafael do que Paris de Brassis, Mestre de Cerimónias do Papa que as encomendou e sensível à missão da Beleza: «no juízo universal, não existe nada de mais belo no mundo do que a Capela Sistina, ornamentada também com tapeçarias, além de todo o resto».
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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