No casamento, em qualquer experiência erótica prolongada, a amizade pode vir a provar-se fatal. Os amantes não são amigos. Três palavras imortais dizem tudo: odi et amo. A agenda do amor é interrompida por erupções de ódio, por discussões acres, pelo assomo abrupto, e por vezes inexplicável, do aborrecimento e da indiferença (as intermittences de Proust). A maioria dos casamentos, a maioria dos casos amorosos perdura graças a um rosário de reconciliações, nem sempre verdadeiras. Não é apenas a tristeza, tristia, que se segue ao coitum; é também a perturbação e até mesmo a repulsa. O declínio da libido deixa um sabor amargo. Mas existe também um outro mecanismo mais subtil, mais ambíguo. No casamento, nas vidas em comum que nasceram de um amor autêntico, o tempo pode amadurecer, trazendo as maravilhas altruístas da amizade. Com o humor que lhe é característico, com a sua paciência, a sua entrega reciproca à criatividade e à perceção. Mulheres e maridos, outrora enredados no desejo, amadurecem naquela serenidade estimulante, própria da amizade. Nesse outono precoce, as necessidades carnais, a fome física, as charadas e os melodramas da sexualidade tornam-se irreais, infantis (como a fala infantilizada do êxtase). Quando encarada de um modo desapaixonado, a acrobacia do sexo, com os seus cheiros e os arquejos escabrosos que liberta, surge-nos como risível, se não mesmo repelente. Aquelas posições, aqueles mimetismos de satisfação (pergunte-se às mulheres!)... A amizade não requer subornos, nem «brinquedos sexuais» — uma designação elucidativa —, nem vaselina. Para Freud, havia algo de degradante no sexo depois dos quarenta e cinco anos.
Este enfraquecimento do eros às mãos da amizade, esta metamorfose que ocorre dentro do casamento, exige tanto de maturidade como de sorte. É possível que seja por este motivo que a amizade entre homens e mulheres surge como um estado privilegiado e possivelmente raro, particularmente nos anos de juventude. Poderei estar enganado, mas esta modulação do eros para philia, e o concomitante declínio do amor, é um tema maior que tanto a ficção clássica como a moderna têm ignorado. Não temos nenhum grande romance que mostre como os amantes se tornam amigos (embora George Eliot tivesse tido a mestria exigida para tal demonstração). Nesta perspetiva, a amizade pode bem ser a «assassina» do amor. Os rios turbulentos morrem na tranquilidade do mar.
George Steiner, in 'Fragmentos'
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