Beleza e ousadia transbordam da curtíssima-metragem de um jovem realizador iraniano – Syed Mohammad Reza Kheradmand – de apenas 20 anos! «Thursday appointment» já começa a arrecadar prémios, tendo começado pelo galardão do festival de cinema no Egipto – o Luxor African Film Festival, organizado por uma ONG para incentivar a Sétima Arte de produção africana. Porém, é na net que o sucesso mais se faz sentir, tendo-se já tornado ‘viral’. Nem a locução em persa (farsi) impede a compreensão da mensagem mais profunda, ainda que alguma grandeza poética possa ter-se esbatido na tradução inglesa.
É difícil imaginar que, aos 20 anos, alguém repesque um poema de amor do século XIV para o arranque de um filme. Os versos recitados foram compostos pelo grande poeta persa Hafez. Como é difícil imaginar que o ângulo do amor focado se situe na idade dos bisavós, reconhecendo-lhes a autoridade da experiência acumulada, comprovada pelo sucesso no teste do tempo. E escolheu-a como fonte de amor para inspirar os mais novos, ainda com dificuldade em acertar o passo a dois. Também por isso, são os velhinhos, já (só) perigosos ao volante, os mais capazes de comemorar a sua história a dois. Fazem-no com poesia, entretendo-se num jogo de sala persa, em que cada um tem de recitar um verso começado pela última letra do verso declamado pelo outro.
A curta-metragem mergulha mais fundo, porque o miúdo-realizador evoca a própria morte, mas sem se deter nela, antes avançando para a memória do inesquecível, que não conhece o ocaso. Assim, a proposta de amor que sustenta o argumento de Kheradmand reclama a própria Eternidade! Reclama esse presente tornado eterno, depois de se emancipar da precariedade de um tempo que se esvai. Porque o amor de um instante nunca está à altura do que pede o coração humano, portanto, do que pedem os amantes verdadeiros. Daí que aquele jovem artista persa tenha preferido um casal com rugas e cabelos brancos para melhor homenagear um patamar de amor mais profundo, mais amadurecido, triado pelo tempo e selado no tempo que foi possível conquistarem em conjunto.
No filme, a alusão à morte é dupla. Segue no título, pois na cultura persa a Quinta-feira é o dia auspicioso para as visitas ao cemitério. E está também numa imagem final, com o velhinho a levar um ramo de flores brancas (a cor usada no Irão para homenagear os mortos) para a campa da sua querida. Como se a boa memória do seu amor pudesse lançar uma ponte entre o Céu e a Terra… até se reunirem do lado de lá de uma outra vida. A contrastar com esse ramo branco, são cor de sangue vivo as flores viçosas levadas pela velhinha, em vida, no passeio aventuroso com o marido ao volante… a falhar semáforos.
Percebe-se por que a expressão mais repetida pelos muitos fãs que se têm manifestado na net seja a comoção face à beleza do filme iraniano, cuja eloquência suplanta a barreira linguística. Mais bonito era difícil!
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
1 comentário:
MZ,
Só a beleza me faz chorar.
Obrigado
oliveira
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