12 novembro 2021

Textos dos dias que correm

No seio de Etty Hillesum

As tristes páginas da história dos campos de concentração do século breve falam apenas superficialmente das trevas siderais de tempos radicalmente obscurecidos pela barbárie. E no entanto, na noite cerrada, a intensa obscuridade é rasgada pela luz mais poderosa das estrelas.

Etty é diminutivo de Ester, que quer dizer “estrela”. É uma estrela cadente que traz uma mensagem de esperança, ao mesmo tempo que encoraja com as suas promessas a manifestação de um desejo: «Tenho de educar o meu desejo e guiá-lo para o seu destino final, com toda a cautela e dignidade de que sou capaz» (“Diário”).

Interroga-se, coloca questões ao seu coração, “pensa” em como pôr de pé esse caule curvado e chagado do coração. Compreende também a necessária eventualidade de «domar o desejo», para se orientar e chegar à fonte da verdade, da autenticidade, mostrando a beleza e a dignidade de cada ser humano, para realizar a missão originária da vida: fazer de si uma obra de arte.

Desta forma, «trabalhar-se a si própria» torna-se empreendimento corajoso e por vezes lacerante, quando se chega à fonte e se bebe da água borbulhante da vida eterna. Aqui, e só aqui, se purifica «o grande ódio que nos envenena a alma».

A alma é “psyché” em grego, mas também borboleta, cujo voo indica a liberdade alcançada no campo de Westerbork: «Lá pude tocar com a mão como cada átomo de ódio que se acrescenta ao mundo o torna ainda mais inóspito».

Por isso Etty não «quer odiar», domina o seu desejo e «encadeia-o» numa fé na humanidade que a Fonte (Deus desenterrado) lhe revela: «Bastaria a existência de um só ser humano digno deste nome para poder crer nos homens e na humanidade» (“Diário”).

E faz verdadeiramente estremecer o coração como conseguiu – esta jovem mulher que nunca pôs os pés numa igreja e raramente numa sinagoga – alcançar os altos cumes da mística de Jesus, da sua humanidade («este é o meu Filho de quem me comprazo, segui a sua humanidade»): o amor pelos inimigos. 


Antonio Staglianò
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins

Publicado pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura em 11.11.2021

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