09 novembro 2021

Da Igreja de Santa Maria, no Marco de Canaveses

 

Sempre tive uma falta de paciência não explicada - mas pouco cristã - para com guias turísticos, salvo em casos especiais. Tenho a sensação que me condicionam o que quero ver, que falam demais e, talvez seja isso o mais importante, que não vou fixar o que me dizem: distraio-me, olho em volta, vou à procura de um pormenor que só a mim interessa, perdendo uma informação que pode ser relevante - ou apenas interessante.

Aconteceu isso há uns meses quando, em viagem por algumas zonas daquela região, decidimos ir visitar a Igreja de Santa Maria, no Marco de Canaveses, da autoria do Arquitecto Siza Vieira. Para entrarmos tivemos de nos dirigir ao acolhimento e a senhora, solícita, ofereceu-se para nos fazer uma visita guiada. Em boa hora aceitámos. A senhora em questão não nos pareceu ter estudos de arquitectura ou de turismo. Pareceu-nos apenas uma funcionário muito interessada, com um misto de informação e adivinhação sobre algumas características da igreja. E uma verdadeira apaixonada por aquele templo.


Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. Vivia ali um homem rico, chamado Zaqueu, que era chefe de cobradores de impostos. Procurava ver Jesus e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura. Correndo à frente, subiu a um sicómoro para O ver, porque Ele devia passar por ali. Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e disse-lhe:
«Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa.»
Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria. Ao verem aquilo, murmuravam todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um pecador. Zaqueu, de pé, disse ao Senhor:
«Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.»
Jesus disse-lhe:
«Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de Abraão; pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.»

(Lc 19,1-10)

Porque ponho aqui este trecho da Bíblia. Porque se não fosse a senhora não saberíamos que os bancos da Igreja são feitos de sicómoro. Se não fosse a senhora não saberíamos que há um fio de água que nasce no batistério e que vai terminar nas capelas mortuárias, como um simbolismo do início e fim de uma vida. Ou não saberíamos que a razão de ser da curvatura das paredes se relaciona com a forma de um corpo que alberga uma criança no seu interior - a gravidez de Nossa Senhora .

Será que a senhora sabia tudo? Não faço ideia; talvez não soubesse e isso desse algum encanto à visita, como se houvesse uma suspeita de uma surpresa, de uma opinião não científica, e tudo isso desse um toque humano à visita. Por fim falou-nos de qualquer coisa no tecto (ou no telhado) que seria em número de 5. "São os 5 dedos de Deus..." afirmou. Permiti-me discordar, até porque não me lembro de haver referências aos dedos de Deus na Bíblia - e na célebre obra A Criação do Homem, de Miguel Ângelo, há um dedo relevante., apenas.. Disse-lhe que o cinco talvez fosse uma referências às chagas de Cristo. Olhou para mim com um ar satisfeito. O gozo de ter uma interpretação alternativa (desconhece-se se credível) era superior ao facto de alguém ter discordado dela...

JdB 

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