10 novembro 2021

Vai um gin do Peter’s ?

DESCOBRIDOR DA TRISSOMIA 21 PERSEGUIDO NA EUROPA LIVRE DOS ANOS 70 

A vida sob pressão do maior geneticista do século XX – o Prof.Jérôme Lejeune (1926-1994) – dá bem a medida de alguma falta de liberdade nas democracias ocidentais! Claro que numa escala mais benigna do que nas ditaduras, embora também seja descarada e feroz nos temas da moda. É eloquente a resposta do jornalista e escritor inglês George Orwell, quando lhe perguntavam se era o regime soviético o alvo primeiro das denúncias dramáticas plasmadas em “1984”, que publicara em 1948. Não – esclarecia – inspirava-se antes no que via e antevia no rumo da sociedade inglesa! Sim, no país de prática democrática mais antiga e sólida.  

Lejeune, nado e criado em França, sofreu na pele a perseguição mediática e até ameaças de morte nos EUA e no seu país, desde o final dos anos 60. Isto, apesar de já ser considerado a sumidade mundial da genética, com descobertas científicas ímpares sobre os efeitos da bomba atómica no sistema reprodutivo humano, a origem da Trissomia 21 (em 1959), etc. Já era considerado o médico da esperança e admirado pela inteligência, pelo saber imenso, pela dedicação extrema aos doentes e aos pais das crianças com síndrome de Down. Conheciam-se histórias tocantes, como a existência de um segundo microscópio no seu consultório para os pacientes poderem observar com ele a presença de um cromossoma suplementar nos portadores da Trissomia 21, ao nível do par 21º. 

Por junto, o seu testemunho de vida converteu outros médicos, como a investigadora mexicana Pilar Calva, que estagiou com ele, em Paris. Porém, também foi muito atacado e caluniado, mal se atreveu a chamar homicídio ao aborto.

O estalar da animosidade deu-se na conferência que proferiu, após receber o maior prémio de genética norte-americano – o «William Allen Memorial Award» -- em Agosto de 1969, sete anos depois de ter sido galardoado com o prémio Kennedy. Ao declarar que a vida humana começava no concepção, gelou aquela assembleia composta pelos médicos mais eminentes da sua geração, reunidos em S.Francisco. Pretendia alertá-los para o risco de se tornarem cúmplices de uma cultura de morte, empenhada em descartar – entenda-se, matar – os improdutivos. Elitismo mais perverso era difícil. E Lejeune era frontal a apelidá-lo de “racismo cromossomático”. Finda a conferência, não lhe ficaram dúvidas sobre a guerra sem quartel que o esperava, conforme escreveu à mulher. No diário confidenciou, que tinha acabado de perder o Nobel da medicina, controlado por aquela elite hostil. 

Como a trissomia 21 se tornara na bandeira argumentativa do movimento abortista, a defesa dos bebés com síndrome de Down arrastou-o para o epicentro da luta incendiária, que grassava pelo Ocidente rico dos anos 70. 

Acorriam ao seu consultório de Paris doentes de todas as latitudes.

De certo modo, o seu dia-a-dia virou campo de batalha, inclusive em sentido literal. Uma sessão pública onde era orador foi sabotada por desordeiros, que agrediram os participantes com barras de ferro (incluindo pessoas de idade), obrigando a polícia a intervir. Dessa vez, o médico-cientista sofreu hematomas na cara. 

Viveu também momentos únicos do último quartel do século XX, como a coincidência de se ter encontrado, pela primeira vez, com João Paulo II horas antes do atentado de 13 de Maio de 1981. Tinham almoçado juntos e dali regressara a Paris, onde soube da notícia, que o abalou fortemente. Em 1981, fora à Rússia, em missão diplomática do Papa, para persuadir aquela potência nuclear a abster-se de fazer uso do arsenal mortífero. É dele o alerta histórico: «Nós, os cientistas, sabemos que, pela primeira vez, a sobrevivência da humanidade depende da aceitação por parte de todas as nações de preceitos éticos, que transcendam os poderes terrenos». 

Até morrer, em 1994, continuou a somar cargos, que usou como frentes de combate a favor do direito a viver, verdadeiramente igualitário na defesa da igualdade de oportunidades e no reconhecimento da dignidade inviolável de todo o ser humano, a começar pelos mais frágeis. Nem o cancro doloroso, que o fez partir aos 67 anos, abrandaram o seu empenho, encarando os fracassos como sementes de vitória para outros colherem, num outro tempo. A meses de morrer, ainda anuiu ao pedido do Papa para presidir à recém-criada Academia Pontifícia de Medicina.

Deixou escritos antológicos, como a conferência(1) publicada em 1992 sob o título «FISIOLOGIA DA INTELIGÊNCIA». Ali discorre sobre a relação estreita entre o ser humano e o cosmos, explicando quanto das leis que regem o universo estão inscritas na matriz mais profunda da humanidade. Percorre os filósofos helénicos, com Sócrates e Aristóteles, avança para a Idade Média, seguindo-se Galileu, Descartes, Newton, Pascal, Einstein, para comprovar como os grandes cientistas são, acima de tudo, grandes intérpretes dos mistérios insondáveis da natureza, porque encontraram nela ecos do que intuíram dentro de si. Discorre igualmente sobre a condição humana e a importância da complementaridade entre a razão e a afectividade do coração. Fascinante, mesmo para leigos.

Nas Jornadas da Juventude, decorridas em Paris, em 1997 e sagradas como um êxito rotundo, João Paulo II quis fazer um desvio até ao povoado onde repousa a campa de Lejeune, para ali rezar em homenagem pública ao intrépido «servidor da vida». A bravura do cientista-médico – que ousara dar voz aos deficientes e aos impedidos de nascer – foi, recentemente, reconhecida pela Santa Sé como de nível heróico, segundo explica este artigo, generosamente cedido pelo autor:  

«O preço da santidade

No dia 21 de Janeiro, com o decreto de reconhecimento das virtudes heróicas, o Papa Francisco deu um passo decisivo para a canonização do Prof. Jérôme Lejeune, o mais importante geneticista do século XX.

O elemento essencial de um processo de canonização é este reconhecimento de que a pessoa é santa, no sentido mais forte da expressão. Para o averiguar, equipas de especialistas da diocese e da Santa Sé levam a cabo uma investigação histórica muito completa. Se a pessoa tem grandes qualidades, mas não se distinguiu por uma santidade «heróica», como lhe chama a Santa Sé, o processo termina logo. Se a investigação evidencia uma dedicação verdadeiramente extraordinária, a Deus e aos outros, o Papa, apoiado no parecer de várias equipas de consultores, manda publicar o decreto das virtudes heróicas e o processo de canonização segue para a fase final.

Embora Jérôme Lejeune tenha sido um dos cientistas mais brilhantes do século XX e o mais destacado no campo da genética médica, esse aspecto não foi directamente tido em conta na análise das suas virtudes. Por exemplo, a sua inteligência extraordinária não o ajudou e teria sido um obstáculo para concluir positivamente o processo se ele tivesse sido preguiçoso e não a tivesse feito render devidamente. Igualmente, essa capacidade intelectual seria um obstáculo se o tivesse levado ao orgulho.

O processo histórico que analisou as virtudes heróicas de Jérôme Lejeune também não se apoia no facto de ele ter sido duramente perseguido e prejudicado na sua carreira profissional pelos interesses ligados ao aborto. O facto de alguém ser vítima de grandes injustiças não implica santidade e pode até deixar nela algum rancor. Neste caso, ficou demonstrado que os atropelos de que este cientista extraordinário foi vítima não o transformaram numa pessoa amarga ou ressentida.

Depois dos mártires do nazismo e do comunismo, a indústria do aborto foi talvez a maior causa de injustiças e de obstáculos ao progresso da ciência em todo o século XX. Também em Portugal, os abortistas fanáticos conseguiram expulsar dos hospitais do Estado vários médicos que se recusaram a colaborar com o aborto e, noutros países, cientistas de grande categoria foram igualmente perseguidos.

Causar a morte deveria repugnar, por isso muitas pessoas pensam que há qualquer coisa de demoníaco nesta atracção pelo aborto, pela tortura e, mais recentemente, pela eutanásia. Independentemente do papel que o demónio possa ter nesta atracção depravada, não podemos esquecer que o aborto junta o interesse económico dos capitalistas sem escrúpulos com a cultura do sexo promovida pelas correntes políticas decadentes: o resultado é a catástrofe ética a que assistimos nalgumas sociedades ocidentais.

O Papa escolheu o dia 21 de Janeiro para ordenar a publicação do decreto das virtudes heróicas do Prof. Jérôme Lejeune por ser o aniversário da descoberta do mistério da Trissomia 21 (também conhecida como síndrome de Down, ou mongolismo), um dos mais extraordinários êxitos científicos de Lejeune.

Num primeiro momento, as descobertas científicas do Prof. Lejeune geraram entusiasmo por todo o mundo mas, quando se soube que ele rejeitava a morte de crianças e de adultos, o «lobby» abortista entrou em acção. Perseguido pelos Governos de direita e por interesses capitalistas corruptos, ameaçado de morte pelos revolucionários que pretendiam generalizar o aborto, Jérôme Lejeune não cedeu.

No seu caso, a santidade teve um preço muito elevado, mas Lejeune nunca cedeu.

Por contraste, a sua vida deixou um fruto imenso. Tratou milhares de doentes, chegados à sua consulta vindos de todo o mundo. Ficaram para a posteridade as suas descobertas científicas notáveis. Deixou uma inspiração forte a todos aqueles que têm de defrontar os interesses obscuros da cultura da morte. E, melhor que tudo isso (é essa a opinião do Papa Francisco) Lejeune reza intensamente por todos nós junto de Deus.


Jérôme Lejeune, um dos maiores cientistas do século XX.»

José Maria C.S. André – 7.FEV.2021

A UNICEF não hesita em convocar todos para ajudarem a viabilizar a sua missão de protecção aos mais novos: «Assim como ‘é preciso toda uma aldeia para educar uma criança’, como diz o provérbio africano, é preciso toda uma comunidade para proteger crianças, adolescentes, jovens e suas famílias. Uma comunidade que se une para exercer a cidadania, proteger a infância e a juventude, defender e reivindicar direitos é uma comunidade de cuidado.» O alerta do célebre geneticista francês explica por que é crucial para o futuro da humanidade recuar essa linha defensiva até ao limiar menos visível da vida intrauterina. Com poesia e alguma ironia, Antoine de Saint-Exupéry também deixou um alerta certeiro: todas as grandes [e as pequenas] personagens começaram por serem pequenas, mas poucas se recordam disso. De facto, não há outra maneira de chegar a grande, sem passar pelo estádio inicial de semente.

Maria Zarco 

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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 (1) http://www.amislejeune.org/index.php/es/jerome-lejeune-y-su-obra/son-message/conferencias/la-foi-dans-la-science


1 comentário:

Anónimo disse...

Bom post que me comoveu.

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