Simpatia em branco maior
Quando atiro quatro cubos de gelo
Tilintando para um copo, e acrescento
Três doses de gin, limão em rodela,
Mais um quarto de tónica, que verto
Espumando até que afogue, jorro a jorro,
Tudo o resto, até às bordas do copo,
Ergo a bebida no silêncio de um voto:
Ele dedicou a sua vida aos outros.
Enquanto outros usavam como roupas
Os seres humanos no seu dia-a-dia
Eu empenhei-me em mostrar, a quem me cria
Capaz de o fazer, as montras perdidas;
Não resultou, com eles ou comigo,
Mas todos assim ficaram mais próximos
(Ou tal se pensou) de todo o imbróglio
Do que se o perdêssemos cada um por si.
Boa pessoa, um fulano às direitas,
Sempre na linha, um tipo impecável,
Um ás, o máximo, um gajo porreiro,
Não lhe chegavam nem aos calcanhares;
Que chata teria sido esta vida
Se ele não tivesse andado por cá;
Um brinde, que alma mais branca não há! ─
Não sendo embora o branco a minha cor preferida.
philip larkin
inimigo rumor/15
trad. rui carvalho homem
cotovia
2003
***
tristes passos
Tropeçando de volta à cama depois de uma mija
Afasto as grossas cortinas e surpreendo-me
Com as nuvens que correm, com a lua tão limpa.
Quatro da manhã: jardins de sombras oblíquas, jazendo
Sob um céu cavernoso e rasgado pelo vento.
Há nisto uma faceta ridícula,
Na lua a lançar-se através de nuvens fugazes
E soltas como fumo de canhão, para logo se apartar
(A luz pétrea aguçando, cá em baixo, os telhados)
Alta e soberba e separada –
Pastilha de amor! Medalhão de arte!
Ó lobos da memória! Imensidões! É certo,
Há um leve arrepio, quando se olha para o alto.
A dureza e a claridade e o alcance,
A singularidade de tão vasto e fixo olhar
É lembrança da força e da dor
De ser jovem; do que não se pode ter de novo,
Mas que é vivido por outros, em pleno, nalgum lugar.
philip larkin
janelas altas
trad. rui carvalho homem
cotovia
2004
Afasto as grossas cortinas e surpreendo-me
Com as nuvens que correm, com a lua tão limpa.
Quatro da manhã: jardins de sombras oblíquas, jazendo
Sob um céu cavernoso e rasgado pelo vento.
Há nisto uma faceta ridícula,
Na lua a lançar-se através de nuvens fugazes
E soltas como fumo de canhão, para logo se apartar
(A luz pétrea aguçando, cá em baixo, os telhados)
Alta e soberba e separada –
Pastilha de amor! Medalhão de arte!
Ó lobos da memória! Imensidões! É certo,
Há um leve arrepio, quando se olha para o alto.
A dureza e a claridade e o alcance,
A singularidade de tão vasto e fixo olhar
É lembrança da força e da dor
De ser jovem; do que não se pode ter de novo,
Mas que é vivido por outros, em pleno, nalgum lugar.
philip larkin
janelas altas
trad. rui carvalho homem
cotovia
2004
Sem comentários:
Enviar um comentário