Foi hoje, mas há 22 anos.
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Há algumas semanas cruzei-me com um pensamento de Albert Schweitzer, Prémio Nobel da Paz em 1952 (tradução e sublinhados meus):
Quem entre nós aprendeu, através da experiência pessoal, o que realmente são a dor e a ansiedade, deve ajudar a garantir que aqueles que estão em necessidade física obtêm a mesma ajuda que uma vez lhe foi concedida. Já não pertence apenas a si mesmo; tornou-se irmão de todos os que sofrem. É esta “irmandade dos que carregam a marca da dor” que exige serviços médicos humanos.
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Há dias, por causa do meu doutoramento, e falando sobre sofrimento, sobre a necessidade de contar uma história (Karen Blixen terá dito que todas as mágoas são suportáveis quando fazemos delas uma história ou contamos uma história a seu respeito) escrevi à minha co-orientadora:
Sofrimento. Sei falar muito sobre o sofrimento dos Pais, porque o senti e porque o adivinho nos outros Pais, baseado na minha experiência e num conhecimento imperfeito da espécie humana. Mas não sei se sei falar sobre o sofrimento dos médicos com o sofrimento alheio, o que esse sofrimento faz deles, se contam uma história ou se chegam a casa depois de deixarem o sofrimento num cacifo, juntamente com uma bata e um estetoscópio.
E penso muito nas duas médicas que estavam no quarto da Madalena no minuto em que ela morreu. Sairam discretamente do quarto, para darem aos Pais um espaço de pudor e intimidade. Para onde foram depois de saírem de um quarto onde morreu uma criança de 7 anos? O que disseram uma à outra? O que responderam aos maridos / filhos quando lhes foi perguntado então como é que correu o dia? Não sei, mas penso muito nisso. Há uma travessia para os profissionais de saúde?
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As duas citações estão relacionadas. Fazemos parte da irmandade dos que carregam a marca da dor antes de fazermos parte da irmandade dos que carregam a marca da esperança. Para isso, para que mudemos a natureza da marca, temos de contar uma história. Li algures que um contador de histórias ferido requer um leitor vulnerável. Citei esta ideia um dia e perguntaram-me: o que é um leitor vulnerável? Não sei; talvez um leitor que se deixe tocar pelo sofrimento e pela esperança alheias. Talvez um leitor que queira deixar-se tocar, porque sabe que isso o mudará para melhor.
É preciso contar uma história. A minha história és tu.
J, em nome de todos os que te lembram
3 comentários:
Impossível de esquecer o 4 de Novembro...sou, especialmente agora, um leitor vulnerável, assim como profundamente solidária com os Pais e irmãos da Madalena, que conheço tão bem. Um grande beijo, para todos
Obrigado, Francisca.
Lembremo-nos da frase de Leonard Cohen: "There's a crack in everything. That's where the light gets in." O leitor vulnerável sabe dessa fissura, e sabe que é por aí que a luz entrará.
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