17 janeiro 2024

Vai um gin do Peter’s?

 SUCESSO IMPREVISTO DE O «SOM DA LIBERDADE» 

Apesar de torpedeado por alguma elite de Hollywood e hordas poderosas de militantes woke, o filme do mexicano Alejandro Monteverde demorou 5 anos a derrubar barreiras até conseguir ser lançado por uma distribuidora independente, semi-desconhecida – Angel Studios –, bem sucedida numa mega operação de crowd funding.  Até a Disney se lhe atravessou no caminho, mas ficou pelo caminho… Assim, no Verão de 2023, «SOUND OF FREEDOM»(*) viu a luz do dia e começou a somar recordes de bilheteira, fruto de um marketing com êxito no passa-palavra, que lhe granjeou uma facturação invejável.  

Convenhamos que estas peripécias também confirmam quanto os EUA são, apesar de tudo, uma grande democracia, onde é possível a luta travada pelos impulsionadores de um filme que incomoda elites desaguar num final feliz. Em ditaduras, nenhum David pode bater-se com Golias, pois o próprio direito à vida é-lhe logo subtraído. 

Foi, precisamente, numa sociedade de claros-escuros como a norte-americana que um agente de segurança real (Tim Ballard), pai de uns 6 ou 7 filhos, se dispôs a largar o emprego seguro para resgatar crianças hondurenhas, sequestradas na Colômbia. Soube da sua existência pelas pesquisas muito eficientes do seu departamento de combate à pornografia. Porém, como lhe lembrava o chefe directo: a que propósito justificaria o desvio de USD para salvar crianças estrangeiras, em território estrangeiro, nada a ver com os EUA? A mulher do dito agente foi a primeira a alinhar com o sentido de missão do marido. E o tal chefe retinente também acabou por se solidarizar com a causa e desencantar motivos criativos para orquestrar a intervenção norte-americana, que se estendeu à Embaixada em Bogotá. 

A história verídica narrada no ecrã desfia com eloquência o alcance incomensurável da pequena adesão individual – a melhor para viabilizar uma onda de bem construída por cada «sim» de gente corajosa, que aceita meter-se em sarilhos, com risco de vida, para resgatar duas criancinhas latino-americanas. É especialmente interessante constatar a motivação de cada um, com passados tão diferentes e até paradoxais. Há lugar para todos, ex-presidiários incluídos. Nem todos eram meninos recomendáveis e sem cadastro. O percurso atribulado, mas muito verdadeiro, de um ex-traficante da droga, alcunhado de “Vampiro”, é dos mais cativantes, até pela sua frontalidade. Bill Camp interpreta o papel com maestria e garbo. Cabe-lhe a saída certeira a aconselhar o polícia bem comportado, acabadinho de aterrar na Colômbia, para largar aquela fatiota e atitude da marca casual chique californiana – ‘Banana Republic’. 

A subtileza do realizador a discorrer um tema tão sórdido não creio dar azo a pesadelos insuportáveis para os espectadores, pois SOM DA LIBERDADE flui com uma limpidez próxima do documentário, sem apelos lamechas nem proselitistas. 

Os dois irmãos hondurenhos, salvos por Tim Ballard.

A trama limita-se a desvelar a existência de um mal horrendo e de extensão indecorosa, mas sem expor as crianças vitimadas, sempre tratadas como território sagrado, ao longo de todo o filme. Os olhares doces e puros mantêm-se intactos, lindos, embora cheios de uma tristeza aflitiva. Dói muito, mas convoca-nos, como aconteceu à personagem Vampino. Ignorar tanto mal seria o mais injusto e perigoso. Por junto, ficará uma nota positiva, não só pela mensagem final do actor Jim Caviezel (pós a ficha técnica), mas pela confirmação da possibilidade tão criativa e real do contributo possível de cada. Por ínfimo que aparente ser. No caso verídico em que o argumento se inspira, mostra-se como a prospecção detectivesca e eficiente para devolver a um pobre pai os dois pequeninos raptados por uma Miss Colômbia criminosa, permitiu salvar mais de uma centena de pequeninos, sequestrados pela mesma mafia de predadores sexuais pedófilos e violentos. 

As estatísticas deste tráfico internacional de menores já ultrapassam as dos cartéis da droga e aproximam-se das relativas às armas, pelo que é crucial denunciar tal icebergue, que continua a vitimar milhões de crianças globalmente, sobretudo nos países pobres, onde a falta de policiamento e protecção deixa os mais frágeis à mercê dos bandidos. Sim, ainda subsistem modalidades incríveis de escravatura. Já a clientela final inclui também o mundo desenvolvido, onde núcleos de poderosos depravados se permitem vícios escabrosos. Mas não tenhamos ilusões: se no Ocidente são minorias participantes em orgias clandestinas, sendo julgadas e presas se apanhadas, nalgumas democracias débeis ou mesmo inexistentes (várias integram o G20), a venda de menores é prática comum, pelo que não há forma de travar os adultos envolvidos neste circuito cruel, onde até pais tomam a iniciativa de ganhar dinheiro com a venda dos filhos! 

Pelas circunstâncias relacionadas com quem vi o filme, confirmei uma realidade curiosa, que poderia resumir na diferença entre a denúncia forte mas triste e eivado de desespero do grande fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado e o trabalho de formiguinha diário de quem também se aventura aos antros mais infernais da humanidade para salvar quem puder, um a um, ciente de não conseguir chegar a todos, como uma Madre Teresa e afins. De facto, o mal pesa desproporcionadamente em quem tem menos presente um horizonte de esperança, de bem possível como última palavra na História.

Por múltiplas razões, inclusive estatísticas, vale a pena ver o filme, aplicando-se-lhe o alerta lapidar da revista «Time», na Segunda Guerra, quando achou que era a hora de mostrar aos norte-americanos a primeira fotografia de cadáveres de compatriotas. A imagem seca e difícil de jovens soldados a boiar no areal de uma ilha do Pacífico, ocupada pelos japoneses, vinha assim legendada: se eles tiveram a coragem de lutar pela liberdade, tenha a coragem de ver o resultado da sua luta, até como homenagem (citada de memória).

Começar o Novo Ano a responder a esta pequena chamada cinéfila, poderá ser um bom arranque. 

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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(*) FICHA TÉCNICA

    Título original: SOUND OF FREEDOM
    Título traduzido em Portugal: SOM DA LIBERDADE
    Realização: Alejandro Gómez Monteverde
    Argumento: Rod Barr e Alejandro Gómez Monteverde
    Produzido por: Jim Caviezel, Eduardo Verástegui
    Distribuição: Angel Studios
    Duração: 2h15
    Ano:        Jul.2023
    País: EUA

Elenco:

    Tim Ballard, o agente – Jim Caviezel
    Vampiro (ex-presidiário) – Bill Camp
    A mulher de Tim Ballard – Mira Sorvino
    Rocío, uma das crianças – Cristal Aparicio
    Local das filmagens: Colômbia – Cartagena e EUA -Califórnia.
    Site oficial: https://www.angel.com/movies/sound-of-freedom

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