O video acima - cujo descrição sucinta é we asked twenty strangers to kiss for the first time - corre na internet e tem, de há três semanas para cá, mais de setenta milhões de visualizações. Confesso que não sei porquê, embora eu seja uma das pessoas que engrossa a estatística. Apanhei o video num blogue qualquer e vi-o uma vez, que para mais não se justifica.
Presumivelmente, os intervenientes nestes primeiros beijos não serão actores. Se forem, o assunto deixa de ter interesse, confesso. Não fazendo do ósculo uma das suas actividades profissionais, o que sentem estas pessoas quando beijam pela primeira vez uma pessoa desconhecida? Que reacção lhes provoca? Uma sensação agradável ou de estranheza? Conseguimos beijar a boca de alguém sem que isso mexa connosco? O impacto é igual para todos? E que marcas deixará? Apenas a memória de meia dúzia de segundos em que, de olhos fechados, se trocam fluidos bocais? Ou, pelo contrário, este primeiro beijo deixa a vontade de um segundo ou de um terceiro? Quem sabe de um futuro encontro para que os olhos comprovem o que os lábios sentiram?
Revivi o meu primeiro beijo. Detentor de uma boa memória, lembro-me com quem foi, para além da hora e do local. Lembro-me até do outro par ao lado, envolvido em actividade semelhante, à distância do silvo de um comboio. Recordo a arrebatação, o sentimento de êxtase pela espinha abaixo, a ideia de algo proibido, aventuroso como só o miguel strogoff. Também lembro, porque sou detentor de uma boa memória, o desinteresse estético da minha namorada de então, uma colega de liceu pequena, que não vejo há mais de quatro décadas e que não reconheceria na rua.
Usemos a ideia de primeiros beijos como uma metáfora. O que me atrai neste conceito que revisito com uma frequência que exaspera os mais pacientes? Porque falo tanto nestas épocas da minha vida - a do verdadeiro primeiro beijo e dos anos seguintes? É a procura da simplicidade de que falava na semana passada? É a lembrança de uma emoção, de um sentimento, de um frémito que os tempos e o feitio feriram de morte? É a ideia de uma vida cuja única preocupação, como me escreveu um amigo, era saber o que faríamos nessa noite?
Sábado passado disseram-me: já sei que eras amigo do JCS. Confirmei e recuei quarenta anos, revendo a irmã dele por quem me interessei afectivamente. Não tenho saudades dela, mas da ideia dela e do tempo dela. Não tenho saudades desta colega a cujos lábios encostei os meus numa ingenuidade desajeitada. Mas retive pormenores, significado de uma importância interior. Talvez eu seja um nostálgico obsessivo, não fixado especificamente nas pessoas, mas nos tempos, nas emoções, no entusiasmo inexplicável de sentir que uma rapariga me guardava os cigarros, como se fosse guardiã de um tesouro que pertencia a ambos.
Já sei que eras amigo do JCS. Sim, fui amigo dele num tempo de algarve, de cartas manuscritas, de noites longas nos terraços, de verdades e consequências reveladas com uma cara que corava, um coração que pulava, uns olhos que fugiam do que o amor já fixara; sim, fui amigo dele num tempo de músicas dançadas na quietude de temperaturas amenas, com a cara encostada a uma rapariga que não se mexia, cujos cabelos cheiravam a timotei ou a fragrâncias compradas em badajoz. Sim, fui amigo dele num tempo de quer dançar comigo? e de obrigado, de mãos dadas escondidas, de olhares furtivos e abraços dançantes, de corpos juntos e almas presas. Sim fui amigo dele num tempo de primeiros beijos.
JdB
Revivi o meu primeiro beijo. Detentor de uma boa memória, lembro-me com quem foi, para além da hora e do local. Lembro-me até do outro par ao lado, envolvido em actividade semelhante, à distância do silvo de um comboio. Recordo a arrebatação, o sentimento de êxtase pela espinha abaixo, a ideia de algo proibido, aventuroso como só o miguel strogoff. Também lembro, porque sou detentor de uma boa memória, o desinteresse estético da minha namorada de então, uma colega de liceu pequena, que não vejo há mais de quatro décadas e que não reconheceria na rua.
Usemos a ideia de primeiros beijos como uma metáfora. O que me atrai neste conceito que revisito com uma frequência que exaspera os mais pacientes? Porque falo tanto nestas épocas da minha vida - a do verdadeiro primeiro beijo e dos anos seguintes? É a procura da simplicidade de que falava na semana passada? É a lembrança de uma emoção, de um sentimento, de um frémito que os tempos e o feitio feriram de morte? É a ideia de uma vida cuja única preocupação, como me escreveu um amigo, era saber o que faríamos nessa noite?
Sábado passado disseram-me: já sei que eras amigo do JCS. Confirmei e recuei quarenta anos, revendo a irmã dele por quem me interessei afectivamente. Não tenho saudades dela, mas da ideia dela e do tempo dela. Não tenho saudades desta colega a cujos lábios encostei os meus numa ingenuidade desajeitada. Mas retive pormenores, significado de uma importância interior. Talvez eu seja um nostálgico obsessivo, não fixado especificamente nas pessoas, mas nos tempos, nas emoções, no entusiasmo inexplicável de sentir que uma rapariga me guardava os cigarros, como se fosse guardiã de um tesouro que pertencia a ambos.
Já sei que eras amigo do JCS. Sim, fui amigo dele num tempo de algarve, de cartas manuscritas, de noites longas nos terraços, de verdades e consequências reveladas com uma cara que corava, um coração que pulava, uns olhos que fugiam do que o amor já fixara; sim, fui amigo dele num tempo de músicas dançadas na quietude de temperaturas amenas, com a cara encostada a uma rapariga que não se mexia, cujos cabelos cheiravam a timotei ou a fragrâncias compradas em badajoz. Sim, fui amigo dele num tempo de quer dançar comigo? e de obrigado, de mãos dadas escondidas, de olhares furtivos e abraços dançantes, de corpos juntos e almas presas. Sim fui amigo dele num tempo de primeiros beijos.
JdB
* publicado originalmente a 2 de Abril de 2014
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