Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição da Católico.
Acontecimentos e conversas do princípio desta semana deram-me o tema para o meu post militante. Na sua crónica – excelente como sempre – desta última 4ª feira, ATM criava uma metáfora para a vida: um rio que corre perante os acontecimentos que o vão acompanhando da nascente até à foz. Gostei tanto da metáfora que a vou roubar, dando-lhe uns retoques para se conformar ao meu raciocínio. O bloguista residente das 4ªs feiras perdoar-me-á o desplante.
A nossa vida pode, na realidade, comparar-se a um rio (o David Mourão Ferreira chamava-lhe uma escada em caracol…) que passa por várias fases: riacho, pujante, quase seco, tumultuoso, sereno. Dá-me jeito, no entanto, que as margens não sejam acontecimentos, mas, apenas, os espectadores da nossa caminhada até ao estuário. Gente - amigos, conhecidos, colegas, família - por quem nós passamos nesta andança, e que derrama um olhar próprio sobre o que somos. Ou sobre o que vamos sendo.
Ora, é neste olhar próprio que está o busílis da questão. Socorro-me da metáfora: quantas vezes é que as margens (nós) olham para o rio (a vida - principalmente a dos outros) e, com a facilidade que advém da superficialidade, criticam o tumulto, zombam do riacho, desdenham da secura, diminuem a pujança? E quantas vezes é que as mesmas margens indagam sobre os verdadeiros motivos de determinado comportamento? Estou em crer que, na maior parte dos casos, estas mesmas margens se precipitam num juízo sobre o comportamento de outrem porque, simplesmente, não se desafiaram ao segundo olhar, àquele que revela as verdadeiras motivações para o comportamento alheio.
Circunstâncias próprias da vida levaram-me a cruzar caminhos com gente que tinha opções de vida diferentes da minhas. Para além de me darem o gosto da sua amizade, ofereceram-me a possibilidade do segundo olhar, de perceber que, por detrás da diferença, estava a solidez de princípios e de honestidade, a generosidade e a disponibilidade, a fiabilidade de uma mão que se estenderá sempre que necessário. Se me tivesse quedado pela ligeireza só teria visto a discrepância que afasta, não a semelhança que aproxima.
Por todos os motivos e mais algum, vou-me confrontando diariamente com as minhas intolerâncias e as dos outros: a crítica fácil, a observação ligeira, a piada na ponta da língua para comportamentos que a convencionalidade - que é diferente da moralidade - aceita menos bem. Tudo seria mais simples se tivéssemos o tal segundo olhar, acompanhado de uma ou duas perguntas simples: o que motivará tal proceder? Será que o meu juízo não é precipitado?
Há comportamentos sociais que nos parecem menos equilibrados - e expurgo destes os que são ostensivamente errados - mas que têm por trás justificações que um segundo olhar revelará com facilidade. Menciono apenas uma, por ser um dos grandes flagelos do nosso tempo: a solidão. Não o medo daquela que há-de vir com a velhice, mas daquela que já se instalou, sem que a quisessemos: a angústia do isolamento, o esmagamento de uma casa vazia e de um telefone que não toca, o silêncio de um espaço estranho e que se tornou grande demais, a sensação de abandono. Não confundamos solidão com sossego. Esta pode desejar-se, a outra foi-nos imposta.
O exercício da tolerância devia ser diário, como a higiene matutina. Nem sempre será, tal como o perdão, uma manifestação de santidade, mas pode ser um sinal de sobrevivência - connosco próprios, com os outros, com a existência. No fundo, uma vontade de nos mantermos no lado luminoso da vida. A intolerância permanente é como uma disfunção gástrica: atalha-se a tempo senão degenera.
Ontem de manhã alguém me questionava sobre o limite da nossa tolerância com os outros. Só me lembrei da resposta a idêntica pergunta sobre o perdão: 70 x 7.
Adeus, até ao meu regresso...
JdB
1 comentário:
Excelente, meu caro!
fq
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