Dois inputs aparentemente desconexos contribuem para o meu post de hoje:
1) um livro que mão especialmente amiga me incentivou a ler;
2) uma frase que apanhei por aí, na minha ronda de blogues.
O livro chama-se O que o dia deve à noite (Yasmina Kahdra, editado pela Bizâncio em 2009) e conta a vida de um argelino, desde antes da 2ª Guerra Mundial, passando pela guerra da Argelia e terminando nos dias de hoje. Durante uma vida longa, Younes - ou Jonas, como também o tratam, como se fosse sinal de uma inexistência de identidade definida - deixa que tudo lhe passe ao lado: não se afeiçoa ao tio a quem é entregue, não estabelece relações sentimentais com raparigas ou mulheres, não toma posição no conflito que opõe a França à Argélia, recusa uma relação afectiva com a que seria o amor da sua vida.
A frase, que traduzo livremente do italiano, diz que brevíssima é a vida dos que esquecem o passado, negligenciam o presente e temem o futuro. E afiança Séneca, o autor do pensamento, que os desgraçados que assim pensam só no fim percebem que estiveram ocupados a fazer nada.
O nosso espírito tem destas artimanhas: apanha informações soltas no ar e junta-as, criando dentro de si próprio a ilusão de que o casamento é perfeito, que há nexos causais lógicos e que as relações que se estabelecem definem o princípio incipiente de um raciocínio. E eu, que tenho uma visão muito singular destas coisas, descortinei uma ligação muito clara entre o argelino e o Séneca: o tempo cronológico e o que fazemos com ele.
Misturar o passado, o presente e o futuro num caldeiro e daí retirar uma vida plena tem uma dificuldade que está muito além da (in)capacidade humana. Resta-nos, por isso, a tentativa e o erro. Por vezes olhamos demasiado para trás; por vezes o presente assume foros de importância determinante; por vezes é apenas o futuro que interessa acima de tudo o resto. Por vezes é o inverso de tudo isto, transformado num resultado caótico porque se esqueceu, negligenciou ou temeu. Been there, done that...
Younes - ou Jonas, como também o tratam - é um rapaz argelino, um adolescente argelino, um adulto argelino, por quem a vida passa sem que ele apanhe o comboio que o levará a um destino risonho. Não se afeiçoa, não se compromete, não luta. Ocupou a vida a fazer nada, gerindo mal o que tinha sido, o que era no momento e o que poderia vir a ser.
Deixo-vos com um perfume de música (também) do Mali, oferta do homem de Azeitão.
JdB
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Deixo-vos com um perfume de música (também) do Mali, oferta do homem de Azeitão.
JdB
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