28 junho 2016

Duas Últimas

Há um célebre provérbio (ou frase sábia) que oiço há muito tempo como sendo chinês: quando o bêbedo aponta a lua, o imbecil olha o dedo. Sempre tive os meus momentos de imbecilidade, outras vezes de bêbedo. Talvez só recentemente perceba quando sou um ou outro, porque a idade dá-nos lucidez ou o corpo pede-nos chatice. É por isso que olho para o Brexit (sobre o qual não me pronunciarei por motivos de prudência e desejo de manter amizades) e fixo outras coisas que não os riscos de implosão do Reino Unido ou a irresponsabilidade do primeiro-ministro inglês. Olho para o Brexit e, nos meus momentos de imbecilidade, imagino o indesejável: num dominó improvável todos os países da Europa dos 27 fazem referendos para decidir da permanência na UE. O povo aflui às urnas e todos decidem sair. A UE desfaz-se por via da democracia mais pura, que consiste em dar voz aos cidadãos no que toca a assuntos de superior importância. Queixamo-nos da irresponsabilidade do povo ou dos malefícios da democracia?

Hoje sou um imbecil, olhando para a lua dos bêbedos.

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Era uma vez um cozinheiro que tinha um fetiche por hexágonos: o arroz árabe era servido numa forma com seis lados, a tortilha dos almoços de domingo também, assim como a salada russa que, no estalar do Verão, acompanhava uns filetes de peixe-galo. Tudo o que fosse possível chegava à mesa do comensal na forma hexagonal mais pura. Depois surgiram os problemas: e as trouxas de ovos, essa iguaria que começa com o açúcar em ponto de fio, embora a encharcada (ponto de pérola) não constituísse um problema. E o cheese cake? E o pudim flan (este em ponto de caramelo) arredado da sua forma redonda, tão típica. Mas o cozinheiro era inflexível: hexágono! Para ele, indiferente às estrelas michelin, ao master chef, às classificações do tripadvisor, só o hexágono interessava, tudo se resumia ao hexágono que era uma imagem de marca, uma tradição, uma rotina, uma ideia demolidora cristalizada num hábito arreigado. Eo pudim flan surgia, hexagonal, para tristeza do pasteleiro de serviço, a trouxa de ovos não ia à lista, porque bem se vê...

***

Deixo-vos, semi-cripticamente,  com a sombra do teu sorriso - algo não validado por referendo e que se serve também de forma hexagonal.

JdB    


3 comentários:

Anónimo disse...

O que está por demonstrar é se os referendos deste tipo são democracia, talvez não sejam mais do que circo, demagogia e populismo. A democracia direta é, quanto muito, válida para questões especificas e concretas, que incidam sobre valores e princípios, que se respondam pelo coração e ideais dos perguntados.
Por outro lado não há democracia que salve a traição e a quebra de palavra. A oportunidade do acontecimento é muito importante, há uma diferença entre ser-se oportuno e ser-se oportunista. O Brexit é legal mas ilegítimo. O Brexit é britânico.
p.s. além de se por fora do tema refugiados, sugiro que se siga a pista TTPI e talvez se compreenda a verdadeira jogada inglesa. Mas como diz o povo pode ser que lhes saia o tiro pela culatra.

ATM

JdB disse...

A pedido do ATM corrijo / acrescento um ponto ao comentário anterior. Onde está TTPI deve ler-se TTIP (iniciais na Europa) ou TAFTA (iniciais nos EUA): Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento.

Anónimo disse...


À Sombra, felizmente, resiste o Sorriso, e a arte possibilita a sua junção em peças tão bonitas como a do post.



Agradeço.

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