Os oboés dão o tom. Lá maior. O maestro volta-se para a direita e, lentamente, com um golpe de pulso, acena aos violoncelos. Estes expõem o tema. Apenas as linhas gerais, o fio condutor.
O resto da orquestra está suspensa, muda. Os violinos, impacientes, preparam o arco. Encostam-no às cordas. Com o apontar da batuta, estas vibram em coro.
O céu começa a fechar-se. As nuvens juntam-se em cores de tempestade.
A primeira secção de violinos recomeça o tema inicial sobre os graves dos violoncelos. O tempo é mais rápido e o instrumento apresenta os capriccios próprios.
Entra agora a segunda secção. Complementa a primeira. Enche, a contraponto, os espaços que esta vai deixando vazios. Sobem os arcos de uma, descem os da outra.
O ar começa a escurecer, o vento sente-se. As nuvens, cada vez mais escuras, enrolam-se sobre elas próprias.
O primeiro violino toma o seu lugar. Eleva-se, sozinho, acima do resto. O vibrato agudo, cristalino, sobrepõe-se a qualquer outro som da orquestra. O maestro, com movimentos curtos e precisos, dirige os instrumentos. Com a batuta ordena que os violoncelos subam de intensidade.
Os graves são o suporte para todos os outros sons, são o chão onde caem.
A segunda secção de violinos, regida pelo maestro com gestos secos da mão esquerda, acompanha os violoncelos nesta escalada, num diálogo que, pouco a pouco, vai subindo de volume.
Um a um, os violinos que seguiam o tema acompanham o primeiro na escalada sobre o resto da orquestra. Camada sobre camada, agudo sobre grave, o quadro acabou de ser pintado.
A tempestade desdobra-se impaciente para trás e para a frente.
O céu abre-se em dois com o estrondo dos tímbales. O chão estremece a cada vibração da corda dos contra-baixos. Foge debaixo dos pés.
Um, um dois três, um.
As madeiras rangem, os metais brilham, os arcos retesam-se.
Os violinos, em voo rasante, numa ventania fria, puxam os cabelos de trás do pescoço. Elevam-se no ar, em rodopio, e caem no chão, em estilhaços.
A chuva dos violoncelos cai, numa dança furiosa com o vento. É atirada contra as paredes, contra o tecto, contra o chão.
Os metais polvilham o quadro com reflexos de ouro. Relâmpagos rasgam o ar, iluminando à sua passagem.
Os contra-baixos trovejam, graves, assustadores, a fazer tremer por dentro. As cordas grossas soltam, em estrondos, trovões curtos. Em simultâneo com os relâmpagos. A tempestade atinge o seu pico.
Dois minutos e cinquenta e dois segundos depois já se pode respirar outra vez.
SdB (III)
Publicado originalmente a 9 de Julho de 2009. Entre outros motivos porque ouvi a obra ontem, na Gulbenkian.
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Publicado originalmente a 9 de Julho de 2009. Entre outros motivos porque ouvi a obra ontem, na Gulbenkian.
3 comentários:
Muito bom! Que criatividade este SdB(III), pena não nos brindar mais vezes com um ar da sua graça.
Hear, Hear!
Texto excepcional!
Como uma música destas exige...
fq
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