Às 17h17, dois
estampidos ensurdecedores ecoaram no Vaticano. No relato da Rádio Vaticano: «os fiéis aterrorizados choram, ajoelham-se,
rezam o terço». A 17 de Maio de 1981, falando para a televisão, a partir da
sua cama na Clínica Gemelli, o Papa disse: «Peço
pelo irmão que me feriu, a quem perdoei sinceramente». Ao longo do seu
pontificado, São João Paulo II repetiu: uma
mão disparou a bala e outra a desviou, «Nossa
Senhora de Fátima salvou-me a vida».
Segundo
um vaticanista italiano: o processo mais extenso escrito sobre Fátima pertence
aos arquivos do Kremlin. Fala do que viu, registado em dossiers pousados na
secretária de um ministro russo, nos anos 80. Mal se iniciou a Glasnost tentou consultá-los, mas já não
estavam acessíveis. A estranha afinidade de datas, entre as Aparições e a
Revolução de Outubro, ajudarão a explicar o interesse da URSS pela história de
Fátima. Quando, em 2007, a RTP pediu acesso ao arquivo soviético para uma
reportagem noticiosa, o pedido foi indeferido, tendo sido adaptado o conteúdo
do programa a um conjunto de entrevistas a ex-prisioneiros vítimas de
perseguição religiosa, assim como ao testemunho de russos sobre o efeito da
mensagem da Cova de Iria durante o tempo da repressão, que perdurou até 1985. O
documentário, da autoria da vaticanista portuguesa Aura Miguel, intitulou-se
«Fátima na Rússia» e incluiu também os depoimentos da jornalista do Washington
Post – Anne Applebaum, do Cardeal Kasper
responsável pela unidade dos cristãos e do ex-director da agência noticiosa
soviética Tass.
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A 25 de
Outubro dá-se a segunda fase da Revolução Russa, iniciada em Fevereiro, quando
Lenine destitui pela força o governo provisório, que tinha sido eleito.
Desde o minuto zero que todo o fenómeno de Fátima foi surpreendente e inusitado, para dizer o menos. Por exemplo, no episódio da prisão, planeado pelo presidente da Câmara de Ourém para acabar com o estranho sururu causado por três criancinhas ignorantes e umas alegadas aparições do Céu, tudo lhe correu da pior maneira. Nem sequer vergou os pequeninos, apesar da violenta pressão exercida sobre eles, com interrogatórios um a um, ameaças de torturas terríveis como fritá-los em óleo a ferver. Também não demoveu as multidões, que continuaram a afluir ao local, apesar de os Pastorinhos faltarem a 13 de Agosto, por estarem encarcerados. Mas, pior de tudo: em vez de erradicar aquela devoção popular, angariou, inadvertidamente, mais devotos. E logo os mais improváveis e à margem da sociedade em todos os sentidos: os presos. Conseguiu esse inédito de, pela primeira vez na história das múltiplas aparições marianas, os pobres presos receberem a notícia em primeira mão, dada pelos videntes. Um privilégio, por erro de cálculo do tal presidente anti-clerical, conhecido pela sua virulência sem limites. Ao fim da tarde, na cadeia, instituiu-se o hábito de se congregarem junto aos miúdos e, de joelhos, rezarem o terço conduzido pela voz mansa dos 3 mini-prisioneiros. Entretanto, em redor dos Pastorinhos, instalou-se um rodopio na cadeia: uns a chorar de arrependimento, outros a querer aprender a rezar, outros apenas a consolá-los. O ambiente punitivo e repressivo eclipsou-se em favor de uma relação fraternal. Volvida uma semana, a força dos factos não deixou margem para mais veleidades, pelo que as crianças foram rapidamente retiradas da prisão. No dia 19 deu-se a Aparição de Agosto, assistida por uma multidão que crescia de dia para dia.
Num flash-back bem narrado sobre o «dossier Fátima», segue um excerto de um artigo de 26 de Março, gentilmente cedido pelo autor:
«Este ano do centenário das aparições de Nossa
Senhora em Fátima é uma boa ocasião para perceber o que aconteceu. Uma fonte
são as «memórias da Irmã Lúcia», uns cadernos que ela escreveu, cada vez que o
Bispo lhe pedia um relatório mais específico sobre algum aspecto. Em geral, não
lhe apetecia pegar na caneta, mas acabava sempre por escrever páginas cheias de
pormenor. Encarava aquele exercício como longas cartas de resposta ao Bispo ou
ao Reitor do Santuário, sem pensar que, no final, poderiam ser publicadas.
Talvez porque as comunicações não eram fáceis naquele tempo, as «memórias»
saíram em livro antes de lhe pedirem a opinião. Paciência! Não era bem a
intenção da autora, mas já não havia nada a fazer.
Um dos pontos notáveis da história de Fátima é a
reacção dos dois pastorinhos. Sendo ainda tão novos (a Jacinta tinha 7 anos e o
Francisco 9), eles confiaram totalmente em Deus, com uma intensidade heróica.
Fizeram-nos sofrer muito, suportaram ameaças gravíssimas, mas, em vez de
ficarem abatidos, cada vez confiavam mais, com uma serenidade que contagiou
multidões.
Um dia, o Administrador de Ourém, anti-clerical
furioso, fechou as crianças num quarto prometendo que, a seguir, as ia queimar
vivas. No momento em que estavam à espera do destino fatal, umas lágrimas
correram pelas faces da Jacinta, de 7 anos: «Eu queria sequer ver a minha
mãe!». «Então tu não queres oferecer este sacrifício pela conversão dos
pecadores?», pergunta-lhe a prima. «Quero, quero!» e, com as lágrimas ainda a
banharem-lhe as faces, faz o oferecimento. Os outros presos, que presenciaram a
cena, comoveram-se. Quando os três pastorinhos começam a rezar o Terço, todos
ajoelharam e alguns, que sabiam a oração, rezaram também. No final, para
distrair as crianças ameaçadas de morte, os presos começaram a tocar harmónica,
a cantar e a dançar. A Jacinta foi então o par de um pobre ladrão que, vendo-a
tão pequenina, terminou a bailar com ela ao colo. A história de Fátima é um
nunca mais acabar de emoções e de ternura.
A propósito de ajoelhar, ouvi várias testemunhas
presenciais contarem que, em Outubro (de 1917), quando se deu o milagre, os mais devotos fecharam os guarda-chuvas e
ajoelharam, apesar de o chão estar coberto de lama. No final, os que tinham
ajoelhado estavam limpos e enxutos e os que se tinham protegido da chuva
estavam encharcados…
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Fotografia tirada em Fátima, a 13 de Outubro de
1917
Graças a Fátima, ajoelharam os peregrinos com fé,
os ladrões de Ourém e até os intelectuais ateus. Quando se deu o milagre do
Sol, Afonso Lopes Vieira saboreava o vento e o mar em S. Pedro de Moel, sem o
mínimo interesse pelo que pudesse acontecer na Cova da Iria, a 40 km de
distância. De repente, viu o Sol mudar de cor e mexer-se. Depois, veio a saber
que o mesmo tinha acontecido em Fátima e converteu-se. Foi ele quem escreveu a
letra do conhecido hino de Fátima.»
José Maria
C.S. André
Publicado a 26-III-2017
in ABC Portuguese Canadian
Newspaper,
Correio dos
Açores, Verdadeiro Olhar, Spe Deus, Clarim, O Alcoa
Maria
Zarco
(a preparar o
próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
Hino
de Fátima composto por Afonso Lopes Vieira:
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