26 abril 2017

Da felicidade como recompensa

Já aqui escrevi sobre isso: no casamento de alguém que me é próximo, o padre falou na felicidade como recompensa. Não como objectivo, menos ainda como direito - apenas como recompensa do esforço, da dedicação, da abnegação, da entrega, do sacrifício, talvez mesmo, ou sobretudo, do amor. O conceito é interessante e suscitou uma conversa num destes dias. 

O que é a diferença de se olhar para a felicidade como um objectivo ou como uma recompensa? Para mim, cavalheiro obeso por vezes obcecado com as palavras, os seus significados, as suas nuances, a diferença é total, embora não me ocorra uma argumentação totalmente demolidora - talvez seja do cansaço da mente, talvez seja da limitação do cérebro. 

Para um cristão, a santidade é o objectivo, o céu é a recompensa. Este raciocínio faz sentido? Recorro a outro, já que estou ligado a uma IPSS: ser-se voluntário é o objectivo, a satisfação que se recolhe do voluntariado é a recompensa. Regresso ao casamento: fazer o outro feliz é o objectivo. A felicidade é a recompensa.

Olho para os parágrafos acima e fico satisfeito. Os exemplos parecem-me esclarecedores. Vou descansar, que o 25 de Abril arrasa-me. Mas deixo-vos como Sebastião da Gama.

JdB


Viesses tu, Poesia

Viesses tu, Poesia
e o mais estava certo.
Viesses no deserto,
viesses na tristeza,
viesses com a Morte...

Que alegria mereço, ou que pomar,
se os não justificar,
Poesia,
a tua vara mágica?

Bem sei: antes de ti foi a Mulher,
foi a Flor, foi o Fruto, foi a Água...
Mas tu é que disseste e os apontaste:
- Eis a Mulher, a Água, a Flor, o Fruto.
E logo froam graça, aparição, presença,
sinal...

(Sem ti, sem ti que fora
das rosas?
Mortas, mortas pra sempre na primeira,
mortas à primeira hora.)

Ó Poesia!, viesses
na hora desolada
e regressara tudo
à graça do princípio...

Sebastião da Gama

2 comentários:

Anónimo disse...

Interessante esta análise porque me parece que estive nesse casamento e não interpretei essas palavras exactamente assim, embora me tenham tocado particularmente e me venham à memória quase diariamente. Não associo fruto (que acho que foi o termo utilizado) a "recompensa" mas sim a "resultado positivo". Porque a recompensa me parece que é o fim último, e é aí que tudo ganha uma dimensão maior.

Não estar focado na felicidade como um "objectivo", liberta da ansiedade que a incerteza de não saber quando (ou mesmo se) alcançaremos esse objectivo trás. Ansiedade essa que muitas vezes nos turva a visão e nos impede de aproveitar o que nos é dado para viver em cada momento, sempre focados em algo posterior, que não sabemos o que é, nem quando virá.

Olhar para a felicidade como um fruto, inverte a lógica. Ensina-nos a viver para o Bem (do outro, da nossa família, dos nossos amigos, e nosso mesmo) em cada coisa, em cada dia. Sabemos que se vivermos para esse Bem teremos um "resultado positivo", ou seja, a felicidade de sabermos que estamos a caminhar em direcção ao que nos trará a verdadeira recompensa, o Céu. E muitas vezes esse Bem é fazer coisas que não queremos e que nos custam, sejam elas teses de mestrado, mudanças de emprego, noites mal dormidas à custa de filhos pequenos ou arrumações de casa para o equilíbrio do casal.

O grande desafio está em reconhecer e a aceitar: reconhecer qual o Bem que nos é pedido em cada momento, e aceitar que é por aí temos de ir para alcançar um Bem Maior. mfm

Anónimo disse...


Concordo plenamente: "O grande desafio está em reconhecer e a aceitar: reconhecer qual o Bem que nos é pedido em cada momento, e aceitar que é por aí temos de ir para alcançar um Bem Maior."

Não há propósito e objectivo a enquadrar a felicidade, ela manifesta-se quando menos se espera, no instante em que o olhar está atento...em que os sentidos incorporam em reconhecimento e aceitação a dádiva da Vida.

Agradeço o post e o comentário.

(Parecem géneros diferentes os que se pronunciam sobre a felicidade.

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