Santiago de Compostela (?), Setembro 2014 |
Exactidão
Levam as frases sentido
que uma cadência lhes dá:
sentido do não-vivido
a que fica reduzido
o que, escolhido, não há.
Do imo do poder ser,
onde o não-sido se arrasta,
ouvi cadências crescer:
vaga música de ter,
na vida, quanto não basta -
quanto um sentido se entenda,
que nem verdade ou mentira.
(Que o que dele se aprenda
é como cobarde venda
para que a luz nos não fira.
Luz sem luz, brilho da treva
que tudo no fundo é;
e a certeza que se eleva
do fundo da própria treva,
de exacta que seja, é.)
Levam justiça consigo
as palavras que dissermos.
Por quanto sentido antigo,
nelas ficou por castigo
o futuro que tivermos.
Levam as frases sentido
que uma cadência lhes dá.
É justo, injusto - o escolhido?
Como quereis que, vivido,
ele não seja o que será?
Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'
***
Antes do Nome
Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o «de», o «aliás»,
o «o», o «porém» e o «que», esta incompreensível
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.
Adélia Prado, in 'Bagagem'
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