29 agosto 2018

Vai um gin do Peter’s?

Miguel Esteves Cardoso (MEC) dedicou um dos seus artigos(1) divertidos à bizarra toponímia nacional, com demasiada falta de sentido estético, a institucionalizar expressões castiças e exageradas, que algum maduro, um dia, usou para destrinçar determinado lugar: Venda-das-Raparigas (na acepção, de mercado de mulheres comerciantes), Fogueteiro, Alguidar-de-Baixo, Vale de Esfaquinhas, A-dos-Loucos, A-da-Gorda, Casal da Coxa são exemplos de nomes infelizes para nomear sítios. Recomendava o MEC, que rectificássemos os casos mais desengraçados, antes de nos abalançarmos a integrar o clube de Bruxelas, em 1986… Como pouco ou nada foi feito, neste capítulo, a crónica mantém actualidade e humor, convidando-nos a uma visita-relâmpago a uma faceta recôndita e provinciana de um país quase milenar. Para tornar a situação mais caricata, MEC aborda a questão sob o ponto de vista pessoal, discorrendo sobre o trauma da morada: 


«DIZ-ME ONDE MORAS
Um dos grandes problemas da nossa sociedade é o trauma da morada. Por exemplo, há uns anos, um grande amigo meu, que morava em Sete Rios, comprou um andar em Carnaxide. Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha um problema. Era em Carnaxide. Nunca mais ninguém o viu. Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Mauritânia!

Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam pevide. Um palácio com sessenta quartos em Carnide é sempre mais traumático do que umas águas-furtadas em Cascais. É a injustiça do endereço.

Está-se numa festa e as pessoas perguntam, por boa educação ou por curiosidade, onde é que vivemos. O tamanho e a arquitectura da casa não interessam. Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, Brandoa, Cumeada, Agualva-Cacém, Abuxarda, Alfornelos, Murtosa, Angeja, ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola. Para não falar na Cova da Piedade, na Coina, no Fogueteiro e na Cruz de Pau. […]

Ao ler os nomes de alguns sítios - Penedo, Magoito, Porrais, Venda das Raparigas, compreende-se porque é que Portugal não está preparado para entrar na Europa.

De facto, com sítios chamados Finca Joelhos (concelho de Avis) e Deixa o Resto (Santiago do Cacém), como é que a Europa nos vai querer integrar?

Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não é nada comparado com certos nomes portugueses.

Imagine-se o impacto de dizer "Eu sou da Margalha" (Gavião) no meio de um jantar.

Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente "E a menina de onde é?", e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho).  E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde mora, presentemente?", só para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da Chouriça (Estremoz).

É terrível. O que não será o choque psicológico da criança que acorda, logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Vergão Fundeiro? Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome de uma versão transmontana do Garganta Funda. […]

É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra". Ninguém é do Porto ou de Lisboa. Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer mentir.

Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indicação de naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Oliveira do Bairro).

É absolutamente impossível explicar este acidente da natureza a amigos estrangeiros ("I am from the Fountain of Drink and Go Away..."). Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como sendo originário de Filha Boa. Verá que não é bem atendido. [...] Não há limites… Urge proceder à renomeação de todos estes apeadeiros. Há que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou então parecidos com os nomes dos restaurantes giraços, tipo : Não Sei, A Mousse é Caseira, Vai Mais um Rissol. […]

Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um percurso que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Sintra) passando pelo Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde), e acabando a comprar rebuçados em Bombom do Bogadouro (Amarante), depois de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna (Lousã).»

Miguel Esteves Cardoso

 
Claro que um país antigo como o nosso também tem topónimos bonitos, marcados por uma história multi-secular, como Alcácer, Avis, Belver, Alcoutim, Lagos, Évora, Elvas, Montemor, Golegã, Ourém, Tomar, Belmonte, Porto, Santar, Guimarães, Ponte de Lima, Rio de Onor, Arcos de Valdevez, etc. já sem falar da maioria dos que adoptam nomes de santos – São Martinho, os incontáveis S.Pedro de … e S.João de… Uns ajudam a contrabalançar os outros.


Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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(1) Não consegui saber a data nem se foi publicado no «EXPRESSO»  ou no jornal «PÚBLICO».

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais valera outra «citação». O MEC faz-me sempre lembrar «les mecs» e, deveras, não vale mais do que 'os gajos'.
Há tanto escrito na NET sobre os nomes de terras em Portugal.

7/20 valores, MZ. Um chumbo, com estima...
Em todo o pano cai a nódoa.

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