Sigamos cronologicamente.
- Seis sessões de coaching com uma profissional inglesa.
- Um artigo que o Padre Tolentino Mendonça escreveu para o Expresso (24 de Agosto de 2019), intitulado Conversem uns com os outros.
- Um texto Transformando sofrimento em narrativa e narrativa em uma nova vida (Tatiana Piccardi, EFLCH/Universidade Federal de São Paulo, Brasil).
Durante seis semanas, oferta de quem achou que talvez ajudasse à minhas responsabilidades internacionais, tive a experiência inédita do coaching via zoom com uma técnica inglesa, ex-jornalista da BBC. O que fizemos durante seis horas no total? Conversámos. Não estabelecemos objectivos, não desenhámos um roadmap, não discutimos estratégias, embora tivéssemos pensado e falado sobre isso. Durante seis horas fiz da palavra partilhada um reduto e um alimento (Pe. Tolentino) tendo encontrado, numa total desconhecida, um eco mais purificado das minhas palavras pensadas num inglês imperfeito. Não fiz catarse, não falei do passado doloroso ou da precisão das memórias; falei e ouvi e, talvez mais importante, ouvi-me. O reflexo das minhas palavras chegou-me mais nítido, mais pedagógico, mais construtivo, mais depurado. À despedida, e repetindo uma fórmula usada e abusada, agradeci por alguém ter ouvido o que eu queria dizer a mim próprio, um homem numa circunstância específica, com responsabilidades específicas.
Conversar é uma palavra onde cabem muitos mundos: conversamos para aprender, para desabafar, para nos ouvirmos. Como diz o Pe. Tolentino, [f]requentar os outros capacita-nos para o encontro connosco mesmos e o conhecimento próprio dá-nos chaves para viver a aventura da alteridade. Num certo sentido, a conversa é um livro pré-Gutemberg e, por isso, um acto único que deve ser preservado e acarinhado. É um exercício de oralidade, sujeito à economia da memória ou da (pouca) atenção que damos aos outros, porque o tempo é o do ecrã, da voragem e do imediatismo, do desejo de leveza e de sucesso. Iona e os pais brasileiros em luto vivem realidades iguais: não só perderam os seus filhos para a morte como não têm interlocutores. O cocheiro socorreu-se do cavalo, os pais recorreram aos grupos de ajuda; em ambos os casos tudo é monólogo, porque não há interlocutores com quem exercer o gosto da troca. Não basta que nos oiçam, nem sempre queremos que nos digam. Mas no coração dos que sentem a vantagem da conversa há sempre o desejo de um compasso partilhado.
JdB
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