06 junho 2022

De uma conferência sobre oncologia pediátrica

 Regressei ontem de Viena, ontem assisti a uma conferência da Childhood Cancer International (Europe). Notas breves e potencialmente desinteressantes.

Comecei a viajar de avião de forma regular em 1972. Passados 50 anos entrei numa nova fase: levei farnel para dentro de um avião, já que o serviço a bordo da Ryanair é o que muita gente conhece. Na verdade, da última vez que viajei nesta companhia, na fila 13 já só havia Pringles e bebidas gaseificadas. Morrerei, mas ainda é cedo, pelo que passei fome, o que me pareceu uma opção. ais acertada. Desta vez precavi-me e levei uma sanduíche e um sumo. Como não estou habituado a estas modernices, levei um sumo cujo volume era superior ao permitido por lei, pelo que tive de bebê-lo enquanto conversava com o "inspector" das bagagens. O cavalheiro, simpático, contou-me que já havia detectado uma garrafa de vodka e que, perante a opção de consumir ou deixar a garrafa em terra, a sua proprietária optara por bebê-la: pelo gargalo, de seguida, até só restarem vestígios de álcool no fundo do vasilhame.

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Pelo menos nalgumas partes do mundo voltou-se ao modelo de reuniões presenciais - foi este o caso. Foi muito bom ver pessoas que nunca vira "ao vivo", abraçar pessoas de quem sou amigo há muitos anos, ou conhecer novas pessoas, nomeadamente um indiano, a viver há 12 anos na Suíça e com um filho com cancro, com quem mantive uma conversa intimista; algo que seria impossível via zoom, ou que seria impossível não fossemos personagens de uma filme parecido. 

Ter responsabilidades numa organização global ligada ao cancro pediátrico apresente desafios exigentes: como se fecha o fosso entre regiões com 20% de taxa de sobrevivência e com 80% de taxa de sobrevivência. Como se fecha o fosso entre organizações de pais / doentes / sobreviventes participativas, activas, dinâmicas e com recursos, e outras adormecidas, com dificuldades e sem acção? O meu "discurso" na Europa assentou sempre numa ideia fundamental: temos de fazer mais pelo mundo, se não um dia as gerações a seguir a nós terão uma ideia de África (por exemplo) como o sítio onde foram fazer um safari na lua de mel. Tenho consciência de que não há uma Europa apenas - há seguramente duas, dizem-me que talvez três. Talvez por isso algumas organizações (OMS, médicos e organizações de pais) tenham produzido um documento extenso sobre as desigualdades na Europa. Mas, não obstante, a Europa, enquanto continente, está na linha da frente do que de melhor se faz pela oncologia pediátrica.

Há muito trabalho pela frente. Nem sempre me preocupa o volume do que há por fazer; muitas vezes a minha grande preocupação é o caminho que seguir. Não falo de tratamentos médicos, porque esses fogem de alguma forma das mãos da associações de pais e estão bem entregues aos profissionais de saúde. A minha preocupação é como se fecha o fosso entre organizações ou entre regiões? E faz sentido pensar-se que conseguimos fechar? Qual o caminho a seguir?

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Uma reunião deste tipo não é apenas uma sanduíche no avião ou uma dúvida sobre estratégia. Há uma parte emocional sobre a qual é mais difícil de falar, porque mais dificilmente partilhável. Ao meu lado está uma mulher ainda jovem que perdeu o filho há quatro anos. Na outra ponta da sala uma belga incansável pela cura do filho, com recidivas atrás de recidivas há oito anos. Aqui e ali estão sobreviventes, pessoas que entregam a sua competência ou tempos vazios a lutar pelas crianças que são diagnosticadas de cancro; ou a lutar por si próprios, ainda. Há pessoas que me abraçam há anos, outras que me abraçam agora. Em todas há um sorriso, por vezes sofrido, mas sempre de esperança - seja para si próprios, seja para os outros. 

Há poucos dias um amigo perguntava-me porque não parava com esta minha missão, para poder fazer outras coisas que vão sendo adiadas na minha vida. Não tendo a pretensão de achar que faço muita falta, resta-me a certeza do bem que esta comunidade me faz. Talvez aqui esteja por egoísmo.  

JdB 

1 comentário:

Anónimo disse...

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.

António Machado

Obrigado JdB por Acreditar na esperança pelos outros

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