PASCAL, O BRILHANTE MATEMÁTICO FRANCÊS QUE PREFERIU OS POBRES
Por cortesia do autor, partilho a história de vida de um dos génios do século XVII, que se distinguiu na física, na matemática, mas igualmente na filosofia, na teologia, na literatura e até no martírio social que lhe foi infligido com enorme crueldade. Tudo na vida de Blaise Pascal teve uma produtividade incomum para quem não chegou a completar 4 décadas de vida.
De pouco lhe serviu a sua genialidade, que parece antes ter atiçado uma facção poderosa da Igreja, que pactuava descaradamente com o mundanismo prevalecente na corte francesa. Pascal pagou caro por preferir o grupo que enjeitava o conforto e as honrarias dos cortesãos, preferindo uma vida de fé sóbria, atenta aos mais carentes – a grande ‘prova do algodão‘ em matéria de fé. Demasiado proeminente para poder ser ignorado, a corte moveu uma guerra sumamente mesquinha contra o cientista-filósofo. Replicavam a intolerância que Henrique VIII tivera com S.Thomas More (1478-1535), a quem mandara decapitar por ser demasiado importante para poder seguir um rumo diferente do do rei, sem que o monarca se sentisse desautorizado! Estranhas lógicas do poder.
«Tintin & Blaise Pascal
Quem não conhece o Pascal como unidade de pressão? O nome desta unidade é uma homenagem a um homem extraordinário, cientista e filósofo do século XVII, que deixou uma obra notável apesar de ter morrido com apenas 39 anos.
É-nos hoje tão familiar que até no álbum «Coke en Stock» das aventuras de Tintin, do desenhador Hérgé (veja-se a imagem), Nestor, o mordomo do Capitão Haddock no castelo Moulinsart, se entretém a ler «Les Pensées» de Pascal, enquanto o Sr.Séraphin Lampion lhe fala ao telefone do seu tio Anatole.
Pascal construiu máquinas de calcular, demonstrou teoremas, investigou em física, estatística, matemática e escreveu obras de teologia que são obras-primas de literatura. Felizmente, começou os seus prodígios científicos com 16 anos, porque doutro modo este génio não teria tido tempo para deixar um legado tão valioso. É sobre este Pascal, com a sua história apaixonante, que surge agora de Roma uma importante novidade.
Corre no Vaticano que o Papa quer publicar uma Carta apostólica na próxima segunda-feira 19 de Junho, a comemorar os 400 anos do nascimento de Pascal. Não se sabe se estes dias que passou no hospital o obrigam a adiar o projecto, mas o simples propósito de comemorar a data representa uma mudança significativa. É verdade que este Papa já citou Pascal e alguma vez se declarou favorável à sua beatificação, mas a Carta apostólica será um passo inédito.
Pascal foi um homem de profunda fé e —assim pensa muita gente— um verdadeiro santo. Os autores de espiritualidade e vários Papas, Paulo VI, João Paulo II, etc., citam-no. O Papa Francisco classificou o seu livro mais conhecido «Les Pensées» (Pensamentos) como uma «obra esplêndida e com valor religioso». De facto, a vida de Pascal é um exemplo edificante de rectidão, de trabalho, de oração. Por que é que nunca se iniciou o correspondente processo de canonização?
A razão é que Pascal viveu a meio do século XVII, numa época de choque violento entre o poder do rei francês e parte da sociedade, entre correntes religiosas apoiadas pelo rei e outras perseguidas por ele. Pascal esteve próximo do povo devoto da abadia de Port-Royal, em Paris, onde a sua irmã Jacqueline era freira. A exigência e a fé daquela abadia faziam demasiado contraste com a corte mundana e com a ética decadente que dominava os bem-pensantes, de modo que estes reagiram obtendo a condenação póstuma de Jansénio e de muitos outros, incluindo a dita abadia. Alguns Jesuítas célebres tomaram parte na disputa, defendendo uma moral casuística relaxada, contra o que consideravam o rigorismo exagerado de Port-Royal, e Blaise Pascal respondeu-lhes com as «Cartas Provinciais», que foram mandadas queimar pelo Rei e, durante vários séculos, caíram muito mal entre os jesuítas.
A novidade é que o Papa Francisco se coloca do lado de Blaise Pascal, porque «a lógica casuística, diz o Papa, é uma hipocrisia».
Pascal viveu depois da sua conversão uma fé radical, de entrega a Deus e aos outros, mas sem aqueles traços de rigorismo pessimista ou de amargura que, segundo os seus adversários, caracterizavam o jansenismo. Outro dos méritos de Pascal foi reconhecer o papel da razão, reivindicado poderosamente por João Paulo II na sua Encíclica «Fides et ratio» (sobre a fé e a razão). A fé de Pascal nunca resvalou para o sentimentalismo, mas era a atitude racional de quem confia em Deus e argumenta solidamente essa confiança.
Estando Pascal a morrer, as autoridades religiosas recusaram-lhe os Sacramentos da Eucaristia e da Extrema-unção. Então, o extraordinário filósofo e cientista pediu para o levarem para o meio dos pobres, membros do Corpo de Cristo. Penso que este amor pelos pobres, característico de todos os santos, deve ser um elemento que o une ao Papa Francisco.
Nestor lê os «Pensamentos» de Pascal, enquanto o Sr. Lampion fala ao telefone sem parar. |
P.S.: Um padre de Lisboa, suspenso preventivamente durante vários meses devido a uma acusação de abuso sexual, acaba de ser reintegrado. Não se sabe quem fez a acusação, nem que crime teria sido cometido, nem quando. Centenas de pessoas manifestaram a sua perplexidade com esta acusação inverosímil. Terminou agora a injustiça flagrante. É preciso firmeza contra quaisquer abusadores, mas penas destas contribuem para isso?»
Em todas as épocas, são extraordinárias as pessoas que aceitam as tribulações para defender o que consideram ser o caminho certo, verdadeiro. Mesmo sem o saberem, resultam num farol luminoso no meio da maior escuridão e desesperança, quando no curto prazo a corrupção parece dominar tudo e todos. Felizmente, não é assim, porque (curiosamente) o futuro tolera mal a mesquinheza e a mentira. Pascal teve requintes de grandeza humana inequívocos, que servem de exemplo para as fases turvas e decadentes da História, esgrimindo a sua voz e o seu prestígio a favor dos mais fracos, até ser proscrito e se lhe apagar a voz… mas não o impacto luminoso de uma vida ao serviço dos que sofrem.
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