10 julho 2023

Duas últimas *

 Esta música terá sido gravada em 1972. Procurei vagamente os motivos para o título, achando que poderia relacionar-se com o encontro de uma criança com a sua mãe. No primeiro comentário que vislumbrei há um petit rien de júbilo: uma música de paz, a celebrar o regresso dos soldados do Vietname. Não desisti da busca de uma comoçãozita nostálgica que contrabalançasse o ritmo alegre do reggae. Eis que me confronto com o espanto: a música relaciona-se com a morte do cão do artista, que foi buscar (o artista, não o cão) o título Mother and Child Reunion ao nome de uma receita chinesa feito com galinha e ovos... Há uma altura em que devemos interromper a nossa demanda, sob risco de desmoronamento emocional das nossas entranhas.

Talvez me lembre desta música em 1973, passava eu férias em Armação de Pêra (a convite do JdC, eminente colega bloguista), quando esta vila não era a profusão de rotundas e prédios que nascem do asfalto algarvio como cogumelos alucinogénicos. A vida corria mansa, com praia pela manhã, mini-golfe a seguir ao almoço, aprendizagem do King bufando cigarradas adolescentes, jogos de verdade ou consequência ao som de um coração que palpitava por um beijo na (ou quem sabe da...) rapariga de quem se gosta, cartas que se recebiam com uma alegria temerosa, porque o carteiro nem sempre toca duas vezes. De noite talvez (também) se dançasse Paul Simon num terraço qualquer, sob um céu mais estrelado do que o de hoje, porque a poluição não era tanta e a camada de ozono (tem a ver com as estrelas no céu?) era uma expressão de ficção científica.

Sou, decididamente, um nostálgico - ou talvez tenha as minhas memórias antigas mais frescas do que as modernas. A vida tinha menos confortos, ir daqui ao Algarve era um experiência rodoviária ímpar, à luz de hoje não se percebe como conseguíamos viajar num carro sem ar condicionado, direcção assistida ou com os postos de telefonia (dantes dizia-se telefonia, conjuntos, boîtes...) a desaparecerem ao fim de dez minutos de estrada. Tínhamos menos coisas, havia menos coisas, precisávamos de menos coisas - talvez por isso tudo fosse tão simples, tão divertido, tão arrebatador.

JdB

* publicado originalmente a 29 de Março de 2011 

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