01 agosto 2023

Textos dos dias que correm *

Éramos inseparáveis. Eu, o Hubert, o Karim. Jogávamos futebol durante o dia, tomávamos banho no rio no Verão. À noite saíamos para o cinema ou para os bares para jogar bilhar, envoltos em fumo e ruído. Bebíamos mais do que devíamos, naquele desequilíbrio adolescente cujo futuro é incerto. O que seria de nós, o que seria do mundo, se em jovens prevíssemos o preço que pagaríamos em adulto pelos nossos excessos? 

Bebíamos muito. Ao fim da noite o Hubert já ria quase descontroladamente, com os cabelos num desalinho de louco e metade da camisa fora das calças, aproximando-se ousadamente das raparigas locais que, gargalhando com gosto, fugiam dele. Foi para ele uma época que durou pouco, quase como se cumprisse um calendário ou fizesse um intervalo na sua verdadeira natureza. Encontrou-se na sobriedade da vida e vive feliz. O Karim mantinha-se sempre sossegado, encostado ao balcão ou a uma mesa de bilhar, de garrafa constante na mão. Era um sossego enervante, pois não emitia sinais do seu estado. Atravessou a vida assim: casou, separou-se; casou, separou-se. Vai voltar a casar e a separar-se, sempre silenciosamente, um pouco como se a vida não fosse mais do que um sucessão de cervejas bebidas no estabelecimento local.

E eu? Eu colava-me aos outros quando o corpo acusava excesso de álcool. Uns riam, outros contavam piadas, outros ainda mantinham uma calma quase incomodativa. Eu colava-me nos bancos, encostava-me a uma parede, e maçava quem ali estava com uma conversa desajustada. Era assim que eu me dava ao fim da noite. Não voltei a embebedar-me desde que fui para Paris estudar veterinária. Mais do que dos excessos, quem sabe não fugia de uma natureza que não entretinha ninguém. Talvez continue a ser assim, a viver um desajuste momentâneo como se estivesse ébrio. Às vezes parece que fujo dos outros, que me afasto dos outros. É possível que só queira, com falta de jeito, reconheço, proteger os outros de mim. Como se a vida fosse um bar forrado de mesas de bilhar e as minhas conversas não fossem as conversas de mais ninguém. Como se as minhas conversas não fossem mais do que as minhas conversas.

Marcel Larque (Lettres aux amies disparus,  Éditions Maison Jaune, 2010, tradução minha deste excerto)  

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* publicado originalmente a 28 de Novembro de 2013


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