GULBENKIAN CELEBRA A PRIMAVERA EM DEZEMBRO
Na próxima Sexta-feira, para começarmos bem o fim-de-semana que aí vem, a Gulbenkian vai transmitir em sinal aberto a fantástica obra de Stravinsky (1882-1971) – «Sagração da Primavera», às 19h00, a partir do Grande Auditório, (no website Fundação Calouste Gulbenkian - YouTube). Apenas veremos a metade musical desta obra de tridimensional, sem o ballet associado à música vanguardista e revigorante do compositor russo, que Leonard Bernstein, em 1973, considerou um expoente da arte: «Essa pauta tem sessenta anos de idade... e também as melhores dissonâncias que alguém poderia imaginar, assim como as melhores assimetrias, as melhores politonalidades e tudo o mais que lhe queira chamar.» A peça estreou em versão de luxo, na Primavera de 1913 (29 de Maio), em Paris, tendo por produtor Sergei Diaghilev, o corpo de bailarinos era a sua famosa companhia Ballets Russes e a coreografia do genial Nijinsky. A Rússia acumula génios no ballet. Um deles foi defenestrado, há dias, apenas com 39 anos, por ter criticado a guerra de Putin contra a Ucrânia, embora as autoridades falem em acidente, mais um a cair de uma janela russa, que se tornaram letais, desde Fevereiro de 2022.
Na «Sagração da Primavera», a ideia do sacrifício da jovem a dançar até à morte, para aplacar a fúria dos deuses primaveris, inspira-se nos rituais pagãos da Rússia medieva. A obra teria sido concebida pelo compositor, em parceria com o filósofo e pintor russo Nicholas Roerich, que retratou cenas desses ritos pré-cristãos para criar os cenários e figurinos alusivos ao paganismo russo. No ballet torna-se mais perceptível a sequência de quadros da composição de Stravinsky, cuja primeira parte é dedicada à adoração da terra: Augúrios primaveris – Dança das adolescentes, Ritual da abdução, Círculos da primavera, Ritual das aldeias rivais, Cortejo do Sábio, Adoração da terra (O Sábio), Dança da Terra. Seguem-se os quadros da segunda parte, intitulada «O sacrifício»: Círculos místicos das adolescentes, Glorificação da eleita, Evocação dos antepassados, Ação ritual dos antepassados, Dança sacrificial (A eleita).
Nesse concerto de 6 de Dezembro, o maestro Hannu Lintu interpretará também uma obra do veneziano Luigi Nono (1924-1990): «Como una ola de fuerza y luz», de conotação política expressa, para homenagear quem combate pela liberdade. O compositor italiano dedicou-a à morte do líder da esquerda revolucionária chilena – Luciano Cruz, e também à revolução argelina, às vítimas de Auschwitz e às sublevações no Vietname, em Cuba e em países da América do Sul (omitindo os Gulags soviéticos e as prisões políticas na Cortina de Ferro).
Para um lanche memorável com chá, scones e bolos caseiros, o Convento dos Cardaes tem o claustro aberto aos fins-de-semana e feriados, até 15 de Dezembro, das 15h30 às 18h30 (reservas através de natalsolidario@conventodoscardaes.com). Será também uma boa ocasião para visitar o museu e a Igreja do antigo convento barroco, situado no número 123 da rua do Século. Os fins-de-semana incluem também música, com este calendário de concertos:
• 8 de Dezembro - 16h30 - Coro Santo Inácio
• 14 de Dezembro - 16h30 - Polyphonia Schola Cantorum
• 15 de Dezembro - 16h30 - Coro Regina Coeli
Entre 27 de Novembro e 8 de Dezembro, acumulam-se festas importantes de Nossa Senhora: a primeira começa em França, durante o século revolucionário da Cidade das Luzes e a segunda acaba em Portugal, que reconheceu com dois séculos de avanço o dogma da Imaculada Conceição. Por generosidade do autor, transcrevo a história aventurosa da famosa «medalhinha milagrosa» (como é conhecida em Portugal), que até da mortífera epidemia de cólera (1832) protegeu quem a usou:
«A MEDALHA DE NOSSA SENHORA
No ano de 1830 (há quase 200 anos), o dia 27 de Novembro foi um sábado. Às 17h30, a Irmã Catherine Labouré, das Filhas da Caridade, uma sociedade fundada por S. Vicente de Paulo e Santa Louise de Marillac, fazia a sua oração diante do quadro de S. José na capela da rue du Bac, casa-mãe das Filhas da Caridade, em Paris. De repente, vê Nossa Senhora sobre uma hemisfera, pisando uma serpente, segurando nas mãos um globo terrestre encimado por uma cruz. Catherine ouve: «Este globo representa o mundo inteiro, a França e cada pessoa em particular». Numa segunda imagem, vê Nossa Senhora abrindo as mãos com raios resplandecentes: «Estes raios simbolizam as graças que ninguém pede». Forma-se uma oval em torno da aparição com a inscrição em letras douradas: «Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós, que recorremos a vós» («Ô Marie conçue sans péché, priez pour nous qui avons recours à vous»). Catherine ouviu então uma voz:
— «Cunha uma medalha com esta imagem. Quem a usar confiadamente receberá grandes graças».
A imagem roda e, no reverso, aparece uma cruz por cima das iniciais de Maria e, em baixo, dois corações, um coroado de espinhas e o outro trespassado por uma espada.
Passado uns dias, Nossa Senhora voltou a aparecer e a pedir-lhe novamente que mandasse cunhar a medalha.
A Irmã Catherine contou tudo ao seu confessor, que lhe disse para esquecer aquelas imaginações, no entanto, ele próprio foi falar do assunto a Mons. de Quélen, Arcebispo de Paris. As circunstâncias eram tão difíceis, que a própria Virgem Maria tinha comentado à Irmã Catherine que «os tempos eram maus». O anticlericalismo grassava, o Governo não tinha força para impedir os revolucionários de perseguir os católicos, o Arcebispo de Paris governava a sua diocese refugiado na clandestinidade. Sobretudo, do ponto de vista do Arcebispo de Paris, era relevante que aquela medalha fosse uma tomada de posição clara acerca da Imaculada Conceição de Maria, porque na época se discutia na Igreja a oportunidade de proclamar esse dogma. Só 24 anos depois, no dia 8 de Dezembro de 1854, é que o Papa Pio IX proclamaria o dogma da Imaculada Conceição. Mons. de Quélen percebeu tudo o que estava em causa, mas autorizou a cunhagem da medalha.
Foram tantos os milagres, que o povo passou a chamar-lhe a «medalha milagrosa». A expansão foi extraordinária. Em poucos anos, cunharam-se milhares, centenas de milhar, milhões, milhares de milhões de medalhas, por todo o mundo. Por exemplo, durante o carnaval de 1832, uma terrível epidemia de cólera semeou o pânico em França: em poucas horas, morreram 20 mil pessoas. A medicina racionalista foi impotente, mas as Filhas da Caridade continuaram a cuidar dos doentes, sem medo de entrar nos tugúrios mais pobres, nem medo do contágio. Todos aqueles que receberam a «medalha milagrosa» salvaram-se e muitos deles converteram-se. Elas próprias, continuamente em contacto com os doentes mais graves, salvaram-se incólumes da epidemia: nem uma só Filha da Caridade foi infectada!
A Irmã Catherine teve uma vida muito simples, sem chamar a atenção, num hospício das Filhas da Caridade dedicada a servir os pobres, sem-abrigo ou mutilados da revolução e das guerras. Só quando ela morreu, as religiosas que viviam com ela contaram alguns dos episódios da sua vida.
Levaram o corpo para a capela da rue du Bac. O Papa Pio XII canonizou-a em 1947.
Na sua recente Encíclica acerca do Sagrado Coração de Jesus e também do Imaculado Coração de Maria, o Papa Francisco cita abundantemente S. Vicente de Paulo, fundador das Filhas da Caridade. Além disso, decorre o aniversário da principal aparição a Santa Catherine Labouré, a 27 de Novembro, e estamos a poucos dias da grande festa de 8 de Dezembro, solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Motivos de sobra para recordar esta história da medalha pedida por Nossa Senhora.»
A concluir, uma colectânea de músicas com sabor a Natal:
Sem comentários:
Enviar um comentário