Percebo que o meu filho me identifique como a pessoa com quem mais detesta ver futebol. Lido mal com o insulto palavroso, posso ver um jogo com o som baixo, tenho dificuldade em distinguir um médio ala de um ponta-de-lança, entre uma revista social que evidencie a felicidade do jet-set e um jogo reconhecidamente mau o meu coração não tem dificuldade em escolher, faço sempre contas de somar quando revelam a disposição dos jogadores em campo, esperançado que some 14.
Fui poucas vezes ao futebol - e daí não saber o que são coiratos. Acho que o Sporting agradece, pois das seis ou sete vezes que vi o meu clube jogar nunca celebrei uma vitória, e chorei várias vezes (vagamente, diga-se…) a derrota. Talvez a Maya astróloga saiba alguma coisa sobre o assunto.
Quem vê jogos na televisão – que é o meu caso – sente-se confortado por o realizador mostrar o que é teoricamente importante: onde está a bola, onde está o jogador que a transporta, onde está a baliza adversária. Tudo o resto são fait-divers que atrapalham a dificílima tarefa de concentração do ignorante do desporto-rei.
Da penúltima vez que fui ao futebol, sentei-me atrás de um casal de namorados. O Sporting perdeu com o Benfica 5 a 3, talvez, e a cada golo marcado os pombos beijavam-se loucamente, trocando fluidos com uma boca obscenamente aberta. Imaginei a felicidade suprema e a paz clubística – qualquer golo é bom para festejar ruidosamente, e há gente que gosta de oscular. Atrás de mim, uma senhora visivelmente interessada e entendida discutia comigo o fora de jogo do centro campista, e eu nem sequer vislumbrava onde estava o esférico, quanto mais o alinhamento da defesa, as regras em vigor, a posição do bandeirinha. Todo eu olhava em volta, perdido no meio da multidão, num desespero esforçado e inglório de transformar os meus olhos no realizador que revela o importante. A minha vizinha percebeu que perdia o tempo quando, a um golo do meu clube, indagou: sabe quem marcou?, e eu respondi: penso que foi o Sporting.
Vem esta crónica a propósito do Portugal – Albânia, do qual vi poucos minutos. O jogo estava desinteressante e o sinal é fraco, pelo que se juntava o inútil ao desagradável. Vítima de um desconhecimento quase total da realidade política actual do país que inspirou tanta esquerda portuguesa, não tenho uma dúvida de que se lhes dessem a escolher, os albaneses optariam por jogar sempre fora: é uma oportunidade de viajar, de comer umas papas de sarrabulho ou um pudim abade de priscos (obrigado, Isabel, pela informação), de visitar a terra onde o pato com laranja foi cinefilamente mais famoso.
Nada me move contra o Carlos Queiroz (é com z ou com s?), porque não tenho a veleidade de lhe interpretar e criticar – como qualquer português que se preze – as opções estratégicas. Tenho esta visão retroactiva: se é para perder, mais vale não utilizar os jogadores do Sporting, que sempre se reduzem as probabilidades do aleijão (eu acho que os jogadores se aleijam, não se magoam, nunca percebi porquê). Acho que o mister é um homem que fala bem, domina o vocabulário e a pontuação oral, não diz pronto nem portanto, não é facilmente caricaturável, a gravata assenta-lhe bem num colarinho que se mantém composto, parece-me evitar o insulto fácil à mãe do árbitro. Portugal perde, empata e empata novamente – esta última vez com uma equipa que é ladina, ágil e resistente como os saltimbancos e os pequenos delinquentes. Em três jogos temos dois pontos – se sei interpretar as regras – o que é manifestamente pouco.
Porém, queridos leitores, o futebol tem de ter uma dimensão estética, não pode ser só eficácia, pelo que, neste caso, sou contra a chicotada psicológica. No entanto, se isso tiver de acontecer, talvez o Dr. Madaíl não esteja à altura de saber escolher uma alternativa, devendo socorrer-se de quem sabe verdadeiramente: a Glória de Matos, o José Castelo Branco, a Ana Maria Lucas e um representante da Associação Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária.
Se Portugal tiver de perder, paciência – mas mantenha-se a dignidade de uma harmonia visual que é superior a um empate humilhante. Afinal, também nunca fomos longe…
Fui poucas vezes ao futebol - e daí não saber o que são coiratos. Acho que o Sporting agradece, pois das seis ou sete vezes que vi o meu clube jogar nunca celebrei uma vitória, e chorei várias vezes (vagamente, diga-se…) a derrota. Talvez a Maya astróloga saiba alguma coisa sobre o assunto.
Quem vê jogos na televisão – que é o meu caso – sente-se confortado por o realizador mostrar o que é teoricamente importante: onde está a bola, onde está o jogador que a transporta, onde está a baliza adversária. Tudo o resto são fait-divers que atrapalham a dificílima tarefa de concentração do ignorante do desporto-rei.
Da penúltima vez que fui ao futebol, sentei-me atrás de um casal de namorados. O Sporting perdeu com o Benfica 5 a 3, talvez, e a cada golo marcado os pombos beijavam-se loucamente, trocando fluidos com uma boca obscenamente aberta. Imaginei a felicidade suprema e a paz clubística – qualquer golo é bom para festejar ruidosamente, e há gente que gosta de oscular. Atrás de mim, uma senhora visivelmente interessada e entendida discutia comigo o fora de jogo do centro campista, e eu nem sequer vislumbrava onde estava o esférico, quanto mais o alinhamento da defesa, as regras em vigor, a posição do bandeirinha. Todo eu olhava em volta, perdido no meio da multidão, num desespero esforçado e inglório de transformar os meus olhos no realizador que revela o importante. A minha vizinha percebeu que perdia o tempo quando, a um golo do meu clube, indagou: sabe quem marcou?, e eu respondi: penso que foi o Sporting.
Vem esta crónica a propósito do Portugal – Albânia, do qual vi poucos minutos. O jogo estava desinteressante e o sinal é fraco, pelo que se juntava o inútil ao desagradável. Vítima de um desconhecimento quase total da realidade política actual do país que inspirou tanta esquerda portuguesa, não tenho uma dúvida de que se lhes dessem a escolher, os albaneses optariam por jogar sempre fora: é uma oportunidade de viajar, de comer umas papas de sarrabulho ou um pudim abade de priscos (obrigado, Isabel, pela informação), de visitar a terra onde o pato com laranja foi cinefilamente mais famoso.
Nada me move contra o Carlos Queiroz (é com z ou com s?), porque não tenho a veleidade de lhe interpretar e criticar – como qualquer português que se preze – as opções estratégicas. Tenho esta visão retroactiva: se é para perder, mais vale não utilizar os jogadores do Sporting, que sempre se reduzem as probabilidades do aleijão (eu acho que os jogadores se aleijam, não se magoam, nunca percebi porquê). Acho que o mister é um homem que fala bem, domina o vocabulário e a pontuação oral, não diz pronto nem portanto, não é facilmente caricaturável, a gravata assenta-lhe bem num colarinho que se mantém composto, parece-me evitar o insulto fácil à mãe do árbitro. Portugal perde, empata e empata novamente – esta última vez com uma equipa que é ladina, ágil e resistente como os saltimbancos e os pequenos delinquentes. Em três jogos temos dois pontos – se sei interpretar as regras – o que é manifestamente pouco.
Porém, queridos leitores, o futebol tem de ter uma dimensão estética, não pode ser só eficácia, pelo que, neste caso, sou contra a chicotada psicológica. No entanto, se isso tiver de acontecer, talvez o Dr. Madaíl não esteja à altura de saber escolher uma alternativa, devendo socorrer-se de quem sabe verdadeiramente: a Glória de Matos, o José Castelo Branco, a Ana Maria Lucas e um representante da Associação Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária.
Se Portugal tiver de perder, paciência – mas mantenha-se a dignidade de uma harmonia visual que é superior a um empate humilhante. Afinal, também nunca fomos longe…
3 comentários:
Para mim o futebol resume-se numa frase que, julgo, é da autoria do Ramalho Ortigão: jogo de canelão e encontrão propicio à tuberculose.
Pai
Caro Tio João,
Creio que a última vez que o tio assistiu, ao vivo, a um jogo de futebol, foi na minha companhia, no velhinho Estádio da Luz. Tenho em crer que o resultado foi de 3-3, e não, infelizmente, 5-3 para o glorioso!
Um abraço,
Pedro Castello Branco
Comentando o post de ontem, porque de futebol não percebo nada.
"Caos calmo" com o Nanni Moretti, excelente realizador e também actor, será a não perder, quando cá chegar. Senão, há sempre o Amazon para encomendar em alternativa. Já que estamos numa de revivalismo, veja "A melhor juventude" do Marco Tulio Giordanna (há na Fnac, mas senão quiser comprar, tenho em casa)e também "O meu irmão é filho único" do Daniel Luchetti.
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