30 outubro 2008

Magnífico!

Houve possivelmente uma época da minha vida em que acreditei não fazer mais amizades. Talvez me chegasse manter as que tinha, refiná-las, não deixar que elas desaparecessem ou diminuíssem de intensidade por inépcia minha. Lembrado de alguém que dizia que tinha perdido dois amigos, um porque não contava nada, o outro porque não perguntava nada, tentei gerir os meus desvelos com sabedoria e equilíbrio, certo de que exijo mais do que dou e falo mais do que oiço (mesmo sabendo que tenho uma boca e dois ouvidos) .

A acrescer a esta vagas convicções atravessei um período conturbado da minha condição de pai. Fui varrido por um temporal tão grande que tudo à minha volta ficou de uma nitidez estranha, como se de repente eu visse com uns olhos iluminados o que se passava à minha volta, distinguindo sem qualquer dúvida – e munido de argumentos demolidores – o que prestava e o que não servia, quem se destacara pela positiva, quem se evidenciara num desaparecimento confrangedor, quem mostrava uma mediania que não era compatível com padrões elevados. Foi o período do olhar injusto e apressado, debruado por uma intolerância sem razão e sem objectivos.

É neste turbilhão de sentimentos, nesta ressaca e nesta exigência que me cruzo com A., com quem mantive inicialmente uma relação cordial porque nova, feita de acordos e desacordos simples porque pouco profunda. Haverá amizades para as quais não se antevê futuro dadas as diferenças de personalidade envolvidas. Mas talvez haja, nalgumas amizades que nascem num repente e aparentemente fora de horas, um qualquer motivo que faça disparar um entendimento que não se vislumbrava na linha do horizonte.

Descobri em A. características que não são vulgares na generalidade dos homens da minha geração, em particular a sensibilidade para algumas assuntos e a desinibição para outros. Numa sociedade em que, como dizia Álvaro de Campos, nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo, foi gratificante encontrar em A. uma alma atenta, perspicaz e amiga, que encara a vitória e a derrota alheias, a alegria e a tristeza no seu semelhante, o riso e o choro no próximo como as duas faces de uma mesma moeda que todos usamos no bolso. Ao longo das inúmeras conversas que tivemos nos últimos anos teve sempre a capacidade de olhar para além do desfocado onde muitas vezes nos quedamos por falta de intuição – ou mesmo de paciência - sem nunca perder de vista a frontalidade com que se dizem algumas coisas, sabendo que escuta activa nem sempre significa escuta feliz.

A. faz hoje 50 anos, uma caminhada já longa feita de tudo aquilo que pavimenta a estrada da maioria de nós, e que confere ao ano de 1958 o epíteto de ano particularmente afortunado. Tenho o enorme gosto em poder dizer que sou amigo dele, não apesar das diferenças, mas por causa das diferenças, e que essas diversidades – temperadas por tantas e tantas semelhanças - transformaram uma amizade improvável numa afeição firme. Poderia alongar-me nas características que fizeram dele o que é, e do impacto que tiveram em momentos da minha vida. Poupo ao aniversariante o embaraço dessa divulgação pública, na certeza de que ele, e quem lhe está particularmente próximo, sabem o que cimenta aquilo que o tempo não desfará. Numa época de pobreza envergonhada, é com gosto que afirmo dever-lhe favores de amizade.

Um abraço de parabéns.

2 comentários:

Anónimo disse...

é de facto "magnifico" ter o privilégio de ser amiga de A.

Anónimo disse...

Magnifico texto!
Esta é uma homenagem à amizade e também a A. Merece-a.Era improvável, concordo, mas li já algures, que por vezes a vida ou alguém por ela, prega-nos partidas. Umas bem duras, outras nem tanto. Valha-nos isso.

Acerca de mim

Arquivo do blogue