Os Santos há muito que eram pretexto para o povo festejar. Desde o século XVIII que há notícias de arraiais em vésperas de Santo António, de bairros enfeitados, de fogueiras acesas e de folguedos pagãos, a que a Igreja ia atribuindo patronos. Dessa animação popular que corria como rastilho as ruelas da cidade, imbuída de costumes e saberes das gentes oriundas de todas as províncias do País, surgiu a Leitão de Barros a ideia de juntar os bairros num só local, de forma a promover as já institucionalizadas Festas de Verão do Parque Mayer. Para entusiasmar os participantes, Leitão de Barros elaborou o que se chamou o Grande Concurso de Marchas Populares. Com a ajuda preciosa de Norberto de Araújo, e do “Diário de Lisboa”, logo responderam algumas freguesias. Conforme fora estipulado, a Avenida da Liberdade acolheu os bairristas que seguiram ao Parque Mayer, já de forma organizada, “marchando”. Alcântara, sem saber, levava um futuro tesouro da nossa cidade, Amália Rodrigues. Tinha 12 anos. O despique foi tão bem recebido que dois anos depois, em 1934, a Câmara Municipal chamou a si a tutela do evento. Regulamentou o concurso e listou quinze requisitos a avaliar: música, versos, arte, guarda-roupa, aprumo, distinção, arcos, iluminação, pitoresco, alegria, vozes, cavalinho, marcha da rua, marcação e encenação. Tinham nascido as Marchas Populares de Lisboa.
Mas nem tudo foram rosas para as Marchas. Nas quatro décadas contadas até 1974, muitos foram os anos em que os bairros não saíram à rua, somando-se apenas dezanove desfiles. Entre 1935 e 1940 o Regime não permitiu – Espanha vivia a guerra civil e Portugal procurava consolidar-se. Entre 1941 e 1946, a II Grande Guerra e as restrições económicas. Em 48, 49, 50 e adiante em 59 e 62, idem – o Estado receava agitação interna. Em 1971, é de novo cancelada a festa por causa da guerra colonial. Após o 25 de Abril, o desgoverno e outras preocupações emergiam. Em 1981, as marchas desfilaram num lugar sem história, o Estádio do Restelo. Em 1987, nem houve concurso, desmotivando os participantes. Só em 1990, com Jorge Sampaio na Câmara, é que Lisboa revê os seus bairros bailando e cantando na Avenida. A Câmara dinamiza o evento, a ideia de Leitão de Barros ressuscita e devolve-se esse orgulho aos alfacinhas. Os marchantes são a alma das Marchas. Ficam palavras sentidas de alguns deles.
“Quando chega a hora de desfilar, choro, choro, choro… Arrepio-me e as lágrimas começam a cair pela cara abaixo. Não consigo falar. Aliás, eu nem sequer consigo ver a marcha. Olhar olho, mas não consigo ver.” Mário Albuquerque, comissão técnica dos Olivais
Não esquece um marchante que, apesar das suas orientações, “acabou por esbarrar contra uma árvore. Com arco e tudo.” Já desfilou com várias marchantes grávidas. “Nestas andanças surgem muitos namoricos que, algumas vezes, resultam em casamento.” Alberto Castro, ensaiador da Ajuda
Há uns anos, os preparativos atrasaram-se. “Estávamos muito aflitos, faltavam algumas coisas nos arcos e estava a Marcha toda à espera para ir para a Avenida. Em vez de ajudarmos a ‘despachar’, apanhamos todos um ataque de nervos que não conseguíamos parar de rir.” Lurdes Bicho, coordenadora das costureiras de Benfica
Inscreveu-se, mas “o primeiro repente, foi ir-me embora”, confessa. “Acabei por voltar no dia seguinte e vi dois casais a dançarem com miúdos ao colo. E iam trocando de braço o filho pequenino, vencidos pelo cansaço. Essa é uma imagem que eu nunca mais vou esquecer. Se com um filho ao colo eles faziam um sacrifício por participar, eu também podia fazê-lo.” Delfim Dias, marchante de Benfica
“Nunca falho. Quando tinha 18 anos arranjei uma namorada que me deu a escolher entre ela e as Marchas. Nesse ano fiz-lhe a vontade, mas depois terminámos o namoro. No ano seguinte lá estava eu de volta à Madragoa. Não há nada como o primeiro amor.” Mário Monteiro, o marchante mais antigo da Madragoa
“Sou de Marvila, e é o ‘bichinho’ que me faz vir. Não consigo imaginar-me sem participar na marcha.” Maria Santos, marchante de Marvila desde 1980
“Temos casos de marido, mulher e filhos. Todos dançam. Namorados costuma haver muitos. Quando o amor está no ar não se pode fazer nada.” Fernando Duarte, coordenador da Bica
Quando marcha não passa despercebida, mas o marido não a acompanha nestas lides. Todos os anos, em Fevereiro, inscreve-se nas marchas. A partir de Abril ele deixa de contar com ela. “Já está habituado. Fica em casa a torcer pelos Olivais.” Madalena, marchante dos Olivais
Em 2000 ficou excluída da participação por causa do guarda-roupa. “Era muito arrojado e eu já não tenho idade para usar decotes daqueles. Gosto de coisas mais conservadoras.” Adelaide Horta, marchante de Campo de Ourique
DaLheGas
Mas nem tudo foram rosas para as Marchas. Nas quatro décadas contadas até 1974, muitos foram os anos em que os bairros não saíram à rua, somando-se apenas dezanove desfiles. Entre 1935 e 1940 o Regime não permitiu – Espanha vivia a guerra civil e Portugal procurava consolidar-se. Entre 1941 e 1946, a II Grande Guerra e as restrições económicas. Em 48, 49, 50 e adiante em 59 e 62, idem – o Estado receava agitação interna. Em 1971, é de novo cancelada a festa por causa da guerra colonial. Após o 25 de Abril, o desgoverno e outras preocupações emergiam. Em 1981, as marchas desfilaram num lugar sem história, o Estádio do Restelo. Em 1987, nem houve concurso, desmotivando os participantes. Só em 1990, com Jorge Sampaio na Câmara, é que Lisboa revê os seus bairros bailando e cantando na Avenida. A Câmara dinamiza o evento, a ideia de Leitão de Barros ressuscita e devolve-se esse orgulho aos alfacinhas. Os marchantes são a alma das Marchas. Ficam palavras sentidas de alguns deles.
“Quando chega a hora de desfilar, choro, choro, choro… Arrepio-me e as lágrimas começam a cair pela cara abaixo. Não consigo falar. Aliás, eu nem sequer consigo ver a marcha. Olhar olho, mas não consigo ver.” Mário Albuquerque, comissão técnica dos Olivais
Não esquece um marchante que, apesar das suas orientações, “acabou por esbarrar contra uma árvore. Com arco e tudo.” Já desfilou com várias marchantes grávidas. “Nestas andanças surgem muitos namoricos que, algumas vezes, resultam em casamento.” Alberto Castro, ensaiador da Ajuda
Há uns anos, os preparativos atrasaram-se. “Estávamos muito aflitos, faltavam algumas coisas nos arcos e estava a Marcha toda à espera para ir para a Avenida. Em vez de ajudarmos a ‘despachar’, apanhamos todos um ataque de nervos que não conseguíamos parar de rir.” Lurdes Bicho, coordenadora das costureiras de Benfica
Inscreveu-se, mas “o primeiro repente, foi ir-me embora”, confessa. “Acabei por voltar no dia seguinte e vi dois casais a dançarem com miúdos ao colo. E iam trocando de braço o filho pequenino, vencidos pelo cansaço. Essa é uma imagem que eu nunca mais vou esquecer. Se com um filho ao colo eles faziam um sacrifício por participar, eu também podia fazê-lo.” Delfim Dias, marchante de Benfica
“Nunca falho. Quando tinha 18 anos arranjei uma namorada que me deu a escolher entre ela e as Marchas. Nesse ano fiz-lhe a vontade, mas depois terminámos o namoro. No ano seguinte lá estava eu de volta à Madragoa. Não há nada como o primeiro amor.” Mário Monteiro, o marchante mais antigo da Madragoa
“Sou de Marvila, e é o ‘bichinho’ que me faz vir. Não consigo imaginar-me sem participar na marcha.” Maria Santos, marchante de Marvila desde 1980
“Temos casos de marido, mulher e filhos. Todos dançam. Namorados costuma haver muitos. Quando o amor está no ar não se pode fazer nada.” Fernando Duarte, coordenador da Bica
Quando marcha não passa despercebida, mas o marido não a acompanha nestas lides. Todos os anos, em Fevereiro, inscreve-se nas marchas. A partir de Abril ele deixa de contar com ela. “Já está habituado. Fica em casa a torcer pelos Olivais.” Madalena, marchante dos Olivais
Em 2000 ficou excluída da participação por causa do guarda-roupa. “Era muito arrojado e eu já não tenho idade para usar decotes daqueles. Gosto de coisas mais conservadoras.” Adelaide Horta, marchante de Campo de Ourique
DaLheGas
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