Estou a tentar abrir uma porta.
Não sei para que lado a chave vai quebrar
nem sei como chegou à minha tentativa
o interdito com que de novo procuro.
Alguma coisa está a ser calcada
no interstício dos gonzos, na dobradiça
cercada de estrelas mortas a fulgir.
Atravessou entre pinheiros.
O vento levantava areia,
enterrava-se no côncavo da represa.
Faltava a esse amor a ilusão
do amor. O céu mordente.
Esse rastilho quase animal.
Toda a explosão do mundo.
De golpe incendiaram-se as plantas,
as que de mês a mês vemos crescer
até às flores as que dão flor,
a novos ramos as que só dão folhas.
Mês a Mês, ramo a ramo, flor a flor,
a mentira bate na lagoa e dança
no tecto com as venezianas corridas.
Ficámos a falar por muito tempo.
Tinha o corpo de betão.
Mostrei-lhe livros, discos, labaredas
que falham quando procuramos
as palavras que já os olhos disseram.
E há um silêncio entre gestos cegos.
O mármore pulsa com os pontos cardeais.
Parece o coração. Bátegas
de encontro ao fechamento, obscuras.
Escuta, continua a escutar, a treva
solta-se da terra inacessível
onde os diamantes prefiguram
a nossa petrificação.
Vivíamos no canal de lava da rua,
no último café a fechar,
as solas sobre um vidro em ebulição
e perdíamos.
É muito de manhã. Acorda
a dor humana que me faz companhia.
Estou a sair de tua casa
a caminho de lugar nenhum,
a minha casa, esse vazio
com a música arrumada,
o cinzeiro, o aspirador, a cortina míope,
a gelatina da cama
onde não mais queria voltar.
Joaquim Manuel Magalhães, in “a poeira levada pelo vento”
Mónica Bello
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