Hoje é dia 15 de Fevereiro, e eu não me esqueço da minha condição de membro da direcção da Acreditar. Mas hoje também é Domingo, e eu não me esqueço da minha condição de Católico. Escrevo, pois, nessa dupla condição, estando em crer que não haverá conflito de interesses.
Um pouco por esse mundo fora celebra-se, hoje, o Dia Internacional da Criança com Cancro. Um pouco por esse mundo fora mostra-se à sociedade, através das mais diversas iniciativas, o drama dos que são confrontados, demasiado cedo, com uma doença que o nosso imaginário associava a adultos, se não a velhos. Sabemos agora que não é assim e surgem, todos os anos, entre 250 a 300 novos casos.
Quase três centenas de miúdos dão início, anualmente, a uma penosa caminhada de sofrimento, tratamentos, hospitais, isolamento, afastamento do seu meio familiar e social. Quase três centenas de famílias vivem a descrença, a dor, a angústia. Mas, e também, quase três centenas de sorrisos de esperança se abrem na fé de um futuro risonho. Por último, quase três centenas de palavras iguais que nascem no íntimo de cada um destes protagonistas: acreditar.
A Acreditar, disse-o uma vez, subsiste pelos piores e pelos melhores motivos: porque existem crianças com cancro, mas porque existem Amigos - empresas e particulares - que não nos deixam fechar as portas por falta de condições. Aparece um donativo, um voluntário, um mecenas, uma ajuda em equipamento, uma divulgação. Surge, então, uma casa em Lisboa, a casa de Coimbra está prestes a inaugurar e o Porto já está à espreita. E há mais crianças com a hipótese de estar connosco e que à pergunta “onde moras?” poderão responder “numa casa longe de casa”.
O post de hoje é dedicado à Acreditar, como um todo e, em particular, ao S., que não conheço, mas que é filho de dois amigos, e que juntou recentemente o seu nome ao de todas as outras vítimas de cancro.
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O Evangelho do dia de hoje começa de uma forma particularmente simbólica para este Dia Internacional da Criança com Cancro:
Naquele tempo,
veio ter com Jesus um leproso.
Prostrou-se de joelhos e suplicou-Lhe:
«Se quiseres, podes curar-me».
Jesus, compadecido, estendeu a mão, tocou-lhe e disse:
«Quero: fica limpo».
Todos nós, que passámos por este sufoco da doença nos nossos filhos, gostaríamos que eles fossem o leproso a quem Jesus, compadecido, limpa e cura. Como crente, estou certo de que Deus não está por trás do drama que me bateu à porta. Assim sendo, a minha história pessoal impele-me a rezar pelo S. (que aqui representa todas as crianças), para que não sofra e se cure, mas, e sobretudo, pelos pais, para que não percam a esperança, o ânimo e a força, e para que saibam encontrar o sentido para este sofrimento. Para que não se deixem vencer pela raiva e pelo desalento e que a fé, que sei que têm, não os abandone nunca. A lepra que tantas vezes nos consome nem sempre é uma doença do corpo, mas do espírito.
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No dia 16 de Setembro de 2008 estava no Zimbabué, e os acasos significativos da vida levaram-me à ala das crianças com cancro de um dos maiores hospitais de Harare. Não é uma romagem ligeira para este Domingo solarengo e convidativo a pensamentos alegres, mas não resisto, no entanto, a desafiar os meus queridos e pacientes visitantes a (re)lerem este texto. http://adeus-ate-ao-meu-regresso.blogspot.com/2008/09/sade-que-no-se-deseja.html. Porque hoje é o Dia Internacional da Criança com Cancro – aqui em Portugal, com tudo o que temos, mas também no Zimbabué, onde nada existe.
Que o Adeus, até ao meu regresso..., com que me despedi tantas vezes, seja a palavra de ordem das crianças que partem para uma aventura para a qual são novas demais.
JdB
2 comentários:
vivi na rua professor lima basto, frente ao IPO. Da minha cama via as luzes acesas. nunca rezei muito mas todos os dias pedia a Jesus que olhásse para o que ia dentro daquelas janelas, que os salvasse ou que os levasse depressa. sabia bem o que passa e ao que chega um canceroso. nunca mais se esquece, nunca mais.
Era insuportável viver naquela rua feita de ambulâncias de todo o País, de carros funerários, de homens, mulheres e crianças de olhos fundos, cabeças carecas e pernas fracas pelos passeios, pelos cafés, de onde eu fugia para não desabar frente a esses meninos, frente aos meus.
Quem convive com esta realidade todos os dias... eu não chego lá. Ouvi uma médica responder a um jornalista que lhe perguntou o que gostava de fazer quando saía ali do hospital. "De chegar cá fora e sentir a aragem fresca na cara", foi só o que ela respondeu. Estar na Acreditar é ter essa aragem sempre disponível. Como conseguem, é que eu me pergunto... nem capaz fui de viver naquela rua.
Só hoje consegui aqui vir e fiquei arrepiada com o sincronismo. Você a falar do S. e eu a pedir-lhe hoje ajuda sem nada saber...
Estes são os verdadeiros sinais para o sentido de tudo isto!
Beijinhos
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