12 novembro 2009

Deixa-me rir...

Uma sala, duas grandes janelas paralelas e uma árvore lá fora. Um céu permanentemente acinzentado, luz a entrar dum lado e doutro e um sofá às riscas com almofadas espalmadas de tanto uso. Dobrada, a um canto, uma manta de pelo falso, muito quentinha, para os dias passados em frente a uma televisão velha e temperamental. Um espelho de moldura dourada e livros, muitos livros. Em estantes, em pilhas pelo chão e espalhados em cima duma mesinha de café. Fotografias desbotadas, uma mesa de casa de jantar coberta com um pano indiano acastanhado, e muitos recortes de jornais e livros de palavras cruzadas. Em cima dum aparador com algumas garrafas de whisky vazias, encontra-se um rinoceronte-candeeiro em terracota pintada. Do outro lado da parede, uma gravura de Lisboa antiga. Alcatifa esverdeada, alguns tapetes semeados por cima das peladas e toneladas de sabor.

Nessa sala, a música é rainha. O DVD, que passou a funcionar como aparelhagem a partir do momento que esta se avariou, emite sem cessar, a partir das 7 da tarde, e de acordo com o apetite do dono da casa, todo o género de música anglo-saxónica a partir da década de 50. Percebe-se que o dono da casa tem um gosto educado e sabe bem o que ouve. Há nessa escolha musical uma certa tendência para a boa pop, para os velhos blues, algum rock n’ roll menos estridente, muitas baladas com letras cheias de poesia e, esporadicamente, um fado, um Javan, uma Rita Lee ou alguns clássicos franceses.

Mas nessa tarde, nessa mesma sala, aproveitando a ausência do dono da casa, uma mulher chora. Sentada no chão, de pernas cruzadas e a cabeça enterrada nas mãos, chora ao ouvir a Sade: “… you think I’d leave your side, baby, you know me better than that; you think I’d leave you when you are down on your knees, I wouldn’t do that …”.

Mas porque chora esta mulher? Pode-se chorar por tantos motivos .... será que está perdidamente apaixonada e a suavidade, a doçura, do By your Side a invade até à alma? Terá perdido um amigo especialíssimo, daqueles que deixam um vazio insubstituível para o resto da vida? Terá sido despedida e não tem dinheiro para pagar o quarto em que vive, sendo obrigada a voltar à sua Ucrânia natal? Estará feliz porque acaba de entrar em Harvard concretizando assim um sonho de toda a vida? … Nunca o saberemos. Do sítio onde estamos, não lhe podemos ver a expressão…



pcp

3 comentários:

marialemos disse...

Obrigada pcp. Lindíssimo.

Mike disse...

Será porque não tem ninguém by her side? Bom post. Muito bom, mesmo.

Anónimo disse...

Obrigada pelos comentarios, marialemos e mike. Que simpaticos nas vossas apreciacoes. Espero que gostem tambem para a proxima. Sera total e completamente diferente...!!! pcp

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