04 novembro 2009

A Morte nada é...

Foi hoje, mas há oito anos.

A leitura seca de um papel oficial diz-nos que foi ao primeiro minuto desse dia de hoje, mas há oito anos. Sinal, quem sabe, de que a ocorrência importante – eternamente importante – abria o dia, como que a marcar o ritmo da jornada que se seguiria, como que a assegurar a secundaridade de todos os outros acontecimentos.

Já me passaram pelo coração, pela alma, pelos olhos e pelas contas de vários rosários oito quatros de novembro. Durante muito tempo misturaram-se a convicção e a descrença, a esperança e o desencanto, o sossego e a angústia, como se fosse difícil discernir um certo entre tantos sentimentos que nos enchem o íntimo. No fundo, como se fosse possível discernir…

Salva-nos, acima de tudo, a Fé, essa firmeza inquebrantável de que nada acaba, porque a eternidade não se compadece com dimensões humanas. Foi cheio dessa certeza num Deus que não é senão amor que escrevi, a um grande amigo, uma frase revestida de uma convicção profunda e inabalável:

Nada se esgota no corpo vivo de onde se vê a energia a sair; nada se anula na mão que se deu e onde os dedos não fazem força porque agarraram já outra realidade.

Sabes, estou certo – estou absolutamente certo – de que em momento algum desse minuto um do dia quatro de novembro de hoje, mas há oito anos, houve um vazio, uma ausência, um nada. Para os mais cépticos ou mais desejosos do que se prova, do que se palpa, do que se mede, houve apenas uma passagem do lado de para o lado de lá, qulquer que ele seja. Mas não para mim, porque vivo inundado dessa felicidade imensa de crer em algo mais, porque caminho bafejado pela Graça de acreditar no que não vejo. Quando franqueaste a porta que dava acesso a uma realidade que só podemos imaginar, tinhas tudo à tua espera: o amor infinito, a paz de uma dimensão superior, Nossa Senhora, Mãe de todos nós, que abraça os mais pequenos a quem chama sempre seus.

Hoje, apesar de tudo, olho mais para o Céu, esse destino último da santidade que se constrói na terra, lugar etéreo onde vivem os que me foram mais importantes. O paraíso está ali, ao estender de uma mão, na recitação tantas vezes apressada de uma oração improvisada, no olhar que se derrama por aqueles que são os nossos próximos, na certeza de que a Morte se vence com um sorriso de esperança e uma certeza de dias mais radiantes.

Não rezamos por ti, mas rezamos-te. Não pedimos por ti, mas pedimos-te. Certos do Pó do Amor que não cessas de nos derramar, vivemos confiantes no discernimento e na força que nos ofereces, sempre que te lembramos com a saudade mansa de quem vive dentro do nosso coração. Nunca nos pertenceste; foste sempre uma dádiva, e só somos verdadeiramente donos das coisas quando delas sabemos abdicar.

Obrigado por teres passado pela nossa vida e, também, por nos teres mostrado a face visível de um Deus que não é senão amor.

Foi hoje, mas há oito anos.

JdB

16 comentários:

Anónimo disse...

Este texto é uma oração, JdB. Uma oração maravilhosa. Grande beijinho. pcp

Anónimo disse...

Meu caro,
Às vezes, quando sentimos que nada de verdadeiramente relevante podemos dizer, resta-nos sempre o gesto:
um abraço, daqueles que abraçam a alma.

gi.

Luísa A. disse...

Obrigada, João, por partilhar connosco um pouco da sua fé. Sinto falta dela.

Anónimo disse...

A FÉ QUE NOS MOVE, É AQUELA QUE ACREDITA, QUE UM DIA PODEREMOS NUM ETERNO ABRAÇO, DIZER OBRIGADA AQUELE QUE PARTIU PARA NOS BRAÇOS DE NOSSA SENHORA VELAR POR NÓS.

fugidia disse...

João,
foi num dezoito de Abril de há vinte e seis anos que perdi uma das minhas irmãs e ouvi o meu pai dizer estas palavras de M. Quoist:
«Tu, Senhor, dás a cada um o tempo de fazer o que queres que ele faça».
Tenho andado estes anos todos a tentar não me esquecer delas.
E a tentar não me lembrar da letra do "128 azul": «só Deus tem os que mais ama»...

Gostei de o ler. Acho que era só isto que queria de dizer, de facto.

Toy disse...

Amigo João,
Na impossibilidade de te dar fisicamente, aqui te deixo um grande abraço.
TOY

Toy disse...

Amigo João,
Na impossibilidade de te dar fisicamente, aqui te deixo um grande abraço.
TOY

Anónimo disse...

Um dia disseram-me: "Deus só te dá aquilo que sabe que aguentas. Nem mais nem menos."

A Fé de que Deus sabe do que precisamos para com Ele imortalizarmos.

BEIJINHO NO SEU CORAÇÃO e
fiquemos em PAZ n´ELE. É tudo o que precisamos.

mike disse...

Um grande e sincero abraço, João.

JdB disse...

pcp, gi, anónimos, Luísa, Toy, Fugidia, Mike: obrigado a todos pela vossa visita e pelas palavras simpáticas. Reconfortantes talvez seja um "understatement".
Um abraço,
J

cris disse...

JdB,

Um grande abraço para si e para a sua família e amigos.

Todos seram sempre ouvidos, pelo Anjo que está no Céu, sentado ao lado do Pai.

Bem Haja.

Anónimo disse...

Obrigado por partilhar conosco essa paz de espírito.Fáz-me acreditar que é possivel Amar de verdade.
Um gr bj.

Filipa Bonvalot disse...

João
Não vos conheço mas conheci a Madalena. Andava na mesma turma que a minha filha Marta, eram as duas tão pequeninas... Acompanhei o vosso sofrimento, sofri com o vosso sofrimento, rezei por todos mas, acima de tudo, já várias vezes testemunhei o vosso exemplo extraordinário de Fé.
Um grande bem haja pelo que nos tem dado, pelo que conosco tem partilhado, fruto - infelizmente - de tão grande dor! Até sempre
Filipa Ulrich Bonvalot

arit netoj disse...

Querido João,
Só hoje li esta sua oração!
Mais vale tarde que nunca...
Um enorme testemunho de fé, uma escrita carregada de sentido que me questiona e me faz ver a vida e a morte com outros olhos, com outro mistério.
Obrigada pela partilha, por me deixar rezar consigo…

José da Câmara disse...

João.
O que li é tão intenso, tão profundo, que só passando pelo verdadeiro sofrimento será possível atingir a verdadeira fé.

Um abraço

José da Câmara

JdB disse...

Cris, Anónimos, Filipa, Arit, Zé: obrigado pela vossa visita e pelo calor das vossas mensagens. Fico satisfeito por imaginar que o texto toca ao de leve a alma de cada um.

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