19 janeiro 2010

O Encontro

Caramba, que me dói a barriga. Sinto-me preso dentro de uma marioneta bizarra que vai atirando os pés para a frente num andar afectado de quem tem por hábito passar o dia sentado. O meu corpo é um lugar estranho, desconcertante, assustador. Sinto-me vítima duma jigajoga de contornos perversos. Agora estou a suar das mãos. Quero parar de suar das mãos, ela vai reparar quando agarrar nas flores, vai notar que o jornal que as envolve está ensopado, vai ter nojo de mim, de certeza. Agora da testa, sinto as gotas todas, todas únicas, sei contá-las e ordena-las por tamanho, consigo adivinhar qual vai escorrer a seguir em direcção às sobrancelhas. Porra, à sobrancelha, que é só uma.

Queria saber andar como os heróis dos filmes, quando estão de costas para as explosões, com toda a confiança do mundo, ao ritmo de uma música composta a pensar naqueles passos. Queria ter as mãos firmes como as de um cirurgião, experimentadas como as de um pescador e esbeltas como as de um pianista, queria sobretudo que não ensopassem o jornal que envolve as flores.
Os meus óculos embaciaram, lá fora estava demasiado frio e aqui dentro está demasiado calor, nem vou conseguir vê-la dobrar a esquina do corredor. Ela vai achar que eu sou só parvo, vai chamar-me à atenção e eu nem vou reparar como ela disfarça mal a impaciência, e nem sequer vai ser porque vou estar a tentar escutá-la por cima das reclamações do meu estômago, mas sim porque a concentração exigida para não deixar descair o queixo me vai dar pano que chegue para muitas mangas.

Caramba que me dói a barriga. Sinto-me preso dentro de um sonho mau, daqueles em que queremos correr, para fugir de alguém ou para chegar mais depressa a algum lugar, mas as nossas pernas vão ficando cada vez mais lentas, cada vez mais pesadas, como se não fossem nossas, como se fossem desconhecidas e indiferentes.

Sossega, eu estive mais de cinco minutos para conseguir vir ter contigo, parece que tenho um cavalo a galope no peito, segredou-me ela. Se o meu corpo fosse obediente à minha vontade, eu tinha dado um pulo de surpresa. Fiquei-me pelo sorriso. Trouxe flores para ti.
São lindas.

ZdT

3 comentários:

Anónimo disse...

Que espectáculo! Que humor, que sensibilidade deliciosa. Adorei, ZdT! pcp

Mistérios, Magias ou Milagres. disse...

Que maravilha! Você tem a sensibilidade aflorada e isso é um privilegio para uma pessoa tão humana e bela. Parabéns abraços Heudes

ZdT disse...

Obrigado, Pcp, Heudes, fico muito feliz por gostarem. É um privilégio ter estas terças-feiras por minha conta aqui no cantinho do João.

Acerca de mim

Arquivo do blogue