toda a poesia é guerra, disse alguém
e quem sou eu para desdizê-lo?
por exemplo: hoje.
aqui, à sombra das laranjeiras e dos limoeiros,
bebendo nos lábios a fina luz da manhã,
contemplo séculos de história
e um complexo edifício-síntese,
combinando a memória do islão e do cristianismo
numa coexistência pacífica, comovente até.
qual o segredo?, perguntas-me.
e eu respondo-te: a ausência de seres humanos,
daqueles que estão ainda verdadeiramente vivos.
quer dizer: não é a completa ausência,
mas antes esse papel secundário
que todos os turistas desempenham
no grande esquema do mundo.
esta memória religiosa, arquitectónica,
mutuamente incrustada e indissolúvel,
faz-me lembrar eu próprio,
outra forma de dizer que me lembra a forma incontornável
como tomaste conta de mim.
por exemplo: hoje.
hoje, dia do teu aniversário, a centenas, talvez milhares,
de quilómetros de distância,
não deixas de estar aqui, e portanto de seres eu próprio,
tal como tudo o que ficou para trás e o que há-de vir
são extensões de uma essência presente qualquer,
como todo o amor que já morreu não deixará nunca de ser.
como tudo o que não há e que um dia houve ou um dia virá a existir.
nesta mesquita-catedral que me acolhe
em seus frondosos e intemporais braços,
é a ausência de vida quotidiana que permite um olhar doce,
desabitado de fantasmas e morticínios.
toda a poesia é uma jihad, uma guerra santa inclemente,
e agora sou eu que o digo.
entretanto, o dia entra em combustão,
o sol da andaluzia dá sinal de si,
regressam os passarinhos e o seu canto embalsamado.
cheira a verão, apesar de ser já setembro.
no dia dos teus anos, eu estava em córdoba,
e, tenho quase a certeza, um pedaço de ti também.
gi.
3 comentários:
Sem palavras. Como quase sempre. Para quê comentar, não diria a perfeição (porque há muitas perfeições - ou então não há nenhuma!!), mas o equilíbrio entre a emoção, a mente e o sentimento? Este é particularmente bonito porque tem elementos exóticos, longínquos. De início pensei que estivesse em Istambul, em Santa Sofia. Bom fim-de-semana. pcp
Gi gostei muito. Para mim o que li tem muito a ver com o tempo: o dia (do teu aniversário), séculos (de história), memória (relogiosa, arquitectónica, …), hoje, combinado de modo subtil e em ambiente agradável de cheiros, luz, imagens. Obrigada pelo bom começo de dia.
Gostei muito de seu teto, tão quanto do seu blog.
Sempre procuro por novidades nos blogs, encontro alguns interessantes, outros nem tanto, mas gostei aprticularmente do seu.
Parabens
Enviar um comentário