29 setembro 2010

Moleskine

Divagações. Há uns dias, no meio de uma vaguíssima tensão, alguém me dizia que actualmente só as coisas verdadeiramente importantes lhe provocavam stress. Dei por mim a pensar que o raciocínio estava errado, não só por conhecer a pessoa em questão, como porque sim. Eis senão quando me deparo com um pensamento de Charles Bukowsky que, de uma forma bem mais elucidativa, corrobora o que eu penso (e o que pensa o meu interlocutor, não fora o calor do momento): não são as coisas importantes que levam um homem ao manicómio. Está preparado para a morte ou para o assassínio, para o incesto, o roubo, o incêndio, a inundação. Não, é a série contínua de pequenas tragédias que leva um homem ao manicómio... Não é a morte do seu amor, mas sim o atacador do seu sapato que se rompe quando tem pressa.

Concerto. 23 de Setembro, 19.00h, Gulbenkian. Mão eternamente amiga oferece-me dois bilhetes para assistir ao Cosi Fan Tutte, de Mozart, pela Orquestra Barroca de Freiburgo, com um naipe de solistas (para além de parte do coro local) verdadeiramente excepcional. Fica um vídeo de uma das árias mais bonitas, mas numa versão ligeiramente diferente, cantada pelos Swingle Singers. Casa cheia, como não podia deixar de ser. Há horas felizes e amizades fortes a quem se deve sempre um gesto importante.



Serralves. Meio fim de semana no Porto para actividades diversas. Hotel na Boavista, a dois passos da estátua onde, há muitos anos, o avô do meu querido amigo FQ me explicou a simbólica: acima de tudo é o leão a pôr-se na águia... Era um homem encantador, mas pouco previsível nestas coisas do futebol... Tempo ainda para ir a Serralves deliciar-me, sobretudo, com o esplendor dos jardins, se bem que valha sempre a pena visitar as exposições de momento. E o Porto aqui tão perto.

Cruz. Troca de impressões, via mail, com quem vive um momento menos intenso de fé – se bem que esta não lhe falte. Falamos da Cruz e algo nos separa – se não ao nível da certeza conceptual, pelo menos ao nível do que cada um sente: a cruz é um símbolo de Amor ou de Dor? Há uma resposta certa para a dúvida, ou a interpretação tem a ver com a nossa educação, com a nossa história de vida, com a forma como vivemos e nos foi transmitida a religião?

Tolerância. Esta virtude talvez seja como a definição de sucesso que aprendi nos bancos da multinacional: é um percurso, não é um destino. É um exercício diário, porque há truques de pequena magia que nos fazem pensar que somos tolerantes quando, afinal, o somos viciadamente. Se temos uma adição, por mais ligeira que seja, somos tolerantes com quem também a tem; o raciocínio é igual quando pensamos nos nossos pecadilhos ou defeitos – somos tolerantes com quem se nos assemelha. É mais difícil exercer a virtude no confronto com gente substancialmente diferente de nós - nas opções, nos princípios de vida (quando não envolve carácter...), na politica, na religião, no feitio ou no comportamento. Escrevi, neste mesmo espaço, um texto dedicado ao encanto do segundo olhar: a forma como olhamos para alguém e nos desafiamos a ir mais longe, ver além do desfocado, entender os verdadeiros motivos por trás de uma atitude qualquer.

JdB

3 comentários:

Anónimo disse...

Serralves - Meu Deus, o que o Porto tem para oferecer aos lisboetas, ao país e ao mundo. Uma cidade cheia de personalidade, árvores magníficas, o mar ali ao lado e o vento atlântico. Ribeira, Foz Velha, Jardim Botânico, pastelarias e restaurantes fantásticos, casas e apartamentos incomparavelmente melhores do que os de Lisboa e cheios de design ou encanto do séc XIX (já para não falar na pedra e nos solares mais antigos). Sou fã incondicional do Porto. Apesar de achar Lisboa magnífica. Mas o Porto tem uma personalidade muito mais desenhada. E eu gosto disso. Obrigada, JdB. pcp

Ana LA disse...

BOM DIA...Obrigada porque cosegui ler tudo sem óculos. Mais salpicos deliciosos.
Sem querer entrar na discussão, a cruz é dor a tolerancia é amor (ou será preguiça e comodismo). O segundo olhar é fundamental, senão onde estaríamos neste momento? Aprendendo a viver sem atacadores ou no manicómio?
Thanks JdB

arit netoj disse...

Obrigada pelas divagações muito boas e por me desafiar a ver para além do desfocado.
Muito simpático o seu agradecimento.
Na cruz, o Amor é tão grande que supera a dor.
Beijinhos

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