É revigorante lembrar a
história da Nobel da Paz birmanesa (em 1991), Aung San Suu Kyi, com uma vida
riquíssima, misto de combatividade, solidariedade, idealismo, eivados de
bondade, na senda dos ensinamentos de Gandhi. O filme «THE LADY - UM CORAÇÃO
DIVIDIDO»(1) mostra o contributo heróico de Suu em favor da liberdade
humana. Comprova o espaço de liberdade individual, mesmo nas situações mais
críticas, além de mostrar quanto as pessoas podem fazer a diferença, suplantando,
no médio prazo (no curto prazo, o mal costuma sobrepor-se), todas as adversidades.
E esse é o ponto: o timing mais
longínquo de realização das lutas superiores da humanidade. Daí a vantagem (mas
não garantia de sucesso, ainda em vida) dos combatentes que acreditam para lá
do visível, que esperam contra toda a evidência.
«You can’t separate peace from freedom because no one can be at peace
unless he has his freedom» (Malcolm X,
1965)
Há uns anos, um artigo da Time noticiava uma nova teoria em voga entre inúmeros médicos dos EUA, professando a tese de que os doentes que rezavam, alicerçados numa fé convicta, tinham maior probabilidade de cura. Embora a tese sobre o poder curativo da oração extrapole o campo da ciência, entende-se a raiz de tal ideia, sugerida pela vida de personalidades marcantes na História, como o Mahatma, fonte de inspiração para Suu.
Voltando ao filme: a grandeza
humana de muitas personagens – em especial da Nobel e do seu marido, o
catedrático britânico Michael Aris – corresponde q.b. ao que rezam as crónicas.
Foram precisos vários anos até o argumento ficar completo e incluir o testemunho directo de Suu e de outros
opositores da junta militar birmanesa, com manifesto risco de vida.
A sua defesa da
democracia e dos direitos humanos, na Birmânia, constituiu um desafio aberto aos
líderes corruptos, cruéis e sem escrúpulos, que se arrastavam no poder, indiferentes
aos resultados eleitorais (vitoriosos para Suu) ou aos milhares de protestos de
todo o mundo, denunciando o regime de terror instaurado naquele lindo país,
logo após o assassinato do pai da Nobel.
Os muitos epítetos por
que se celebrizou – Mandela do Extremo
Oriente, Orquídea de Aço, Dama de Ferro da Ásia– dificilmente fazem
jus à generosidade da sua oposição contra uma das piores tiranias da
actualidade, que durante décadas manteve a Birmânia (Myannmar) a ferro-e-fogo. Acredita-se
que em Março de 2011, o novo Presidente terá iniciado um caminho de
democratização e libertado Suu, pondo fim ao calvário de quinze anos de prisão
domiciliária.
Sobretudo por mérito do
marido, o combate da Nobel birmanesa internacionalizou-se num abrir e fechar de
olhos, conseguindo cobertura mediática regular. Resultou também numa profusão
de condecorações de prestígio, como o Prémio Sakharov para a Liberdade de
Pensamento (1990), a Medalha Wallenberg (Suécia, 2011), os mais altos galardões
dos Governos da Índia, do Canadá, da Venezuela, etc., eleita Personalidade do
Ano pela revista Time nos anos 90, além de muitos outros reconhecimentos
internacionais.
A figura franzina e
elegante desta bonita oriental, filha de um general mítico, selvaticamente morto
quando Suu tinha 3 anos, é bem expressiva do seu carisma invulgar, expoente da souplesse das asiáticas. Não estranhamos
que Suu tenha estranhado os elogios rasgados de toda a imprensa internacional,
convertendo-a em lenda viva. Simplesmente, poucas coisas podiam ser mais
avessas à sua sensibilidade, cravejada de subtileza e de humildade, do que o culto de personalidade, tão do agrado dos
media populistas. Nada daquilo era compatível com a lucidez firme que o seu
combate exigia. Quando o marido lhe deu a notícia dos louvores escarrapachados
nas primeiras páginas dos jornais, Suu desfiou logo o rol dos seus defeitos, a
marcar bem quanto mantinha a consciência dos limites e até dos erros.
É sublime o episódio de
bravura de Suu a avançar desarmada para um pelotão de fuzileiros, com as espingardas
apontadas a ela, incrivelmente surda às instruções de um general que a mandou parar,
sob ameaça de morte. Mas vociferou em vão, porque a silhueta suave da birmanesa
foi deslizando, impassível, ao encontro das armas. Quase irreal, na sua serenidade
diáfana. Em todos os outros, a começar pelo general, a tensão era crescente. Enquanto
a contagem era decrescente, com ordem para Suu estacar. Fim da contagem e
contra-ordem de outro general para ninguém se atrever a disparar. Entretanto, a
birmanesa já tinha percorrido todas as fileiras do regimento, com a segurança
inusitada de um fantasma! A história correu como um rastilho pela Birmânia e
pelo mundo, atestando a autoridade e o estatuto de combatente dos valores mais
elevados. Estava tão acima do medo
comum, que já nada a poderia deter!
Na película, a
cumplicidade muito amiga entre a Nobel e o marido confirmam-nos o potencial incrível
do amor humano. A referência ao coração dividido, no título, alude à
impossibilidade de acompanhar Mikey, nos últimos dias de vida, hospitalizado
com cancro (1999). Se saísse, a junta militar nunca mais a deixaria regressar à
terra pátria, onde a luta pela liberdade lhe parecia uma causa maior. Aliás, Mikey
implorou-lhe que ficasse em Rangoon. Percebem-se as palavras com que
a actriz principal sintetiza o filme: «‘an
incredible love story that has political turmoil within’," referring
to Suu Kyi’s relationship with her husband, Briton Michael Aris.» (23.Maio.2011). De facto, é uma história
de amor, que parte dos mais próximos para alcançar toda a humanidade.
A intensa ligação aos filhos,
apesar e para lá da distância geográfica, mostram a profundidade dos laços
afectivos no seio de uma família multi-étnica. Acima de tudo, a história da heroína birmanesa devolve-nos a confiança na
humanidade e no futuro, porque assume, com muito
galhardia, a notável possibilidade de o bem vencer. É mesmo um filme vitamínico,
apetecível para o primeiro mês do ano.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
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(1)
FICHA TÉCNICA
Título
original:
|
THE LADY
|
Título traduzido
em Portugal:
|
THE LADY – UM CORAÇÃO DIVIDIDO
|
Realização:
|
Luc Besson
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Argumento:
|
Rebecca Frayn
|
Produzido por:
|
Virginie Besson-Silla,
Andy Harries, Jean Todt
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Banda Sonora:
|
Eric Serra
|
Duração:
|
135 min.
|
Ano:
|
2011
|
País:
|
França e Reino Unido
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Elenco:
|
Michelle Yeoh (Suu)
David Thewllis (o
marido)
Jonathan Woodhouse
(um dos filhos)
|
Locais das filmagens:
|
Tailândia,
Birmânia, Oxford, Londres, Paris.
|
Site:
|
http://michelleyeoh.info/Movie/thelady.html
|
1 comentário:
Adoro o teu lado "heróico", MZ! Bjs. pcp
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