A recente noticia que deu conta de que o carro onde seguia Mário Soares foi apanhado a 199 km/h na auto-estrada gerou muita polémica. Não só pela infracção em si, mas também porque Soares terá dito ao agente da GNR, utilizando alguns impropérios pelo meio, que "...seria o Estado a pagar a multa! ". Obviamente que se trata de uma situação com relativa gravidade. Num país com escassos recursos, não parece razoável todas as benesses de que dispõem os anteriores inquilinos do Palácio de Belém. Porém, e apesar do deleite com que os portugueses assistem a este tipo episódios, como se isso lhes trouxesse algum alento para enfrentar a crise, todas as semanas deparamos-nos com coisas bastante mais gravosas ditas e escritas por Mário Soares. Sou daqueles que não deixa de ler, nomeadamente à terça-feira, o artigo que Soares escreve no Diário de Noticias. Também foi com bastante entusiasmo que li o seu último livro (uma espécie de auto-biografia política). Apesar de tudo quanto lhe Portugal lhe deve, nem tudo é aceitável. São muitas as contradições e imprecisões com que nos brinda. Vejamos:
“É neste contexto que o actual Presidente de França, Nicolas Sarkozy, reacionário de raiz, volátil e oportunista, vai disputar em França um novo mandato, tendo como principal rival François Hollande, socialista convicto, inimigo do economicismo financeiro e partidário do Estado social, que - diga-se - deu à Europa quatro décadas de paz, de justiça social, de pleno emprego e de bem-estar.
Curiosamente, Nicolas Sarkozy, tornou-se, com o avolumar da crise e talvez das dificuldades de França, numa espécie de assessor da Senhora Merkel, que, vinda da Alemanha comunista e depois aliada do partido neoliberal de extrema direita, tem vindo a travar a necessária evolução europeia, procurando "germanizá-la", ao seu gosto, como se isso fosse possível. Não creio que seja. A União Europeia, governada esmagadoramente por partidos populares ultraconservadores, está em descrédito profundo e, como disseram Helmut Schmidt e Jacques Delors, "à beira do abismo". É imprescindível evitar esse enorme risco. “
Este excerto é retirado do artigo de opinião no DN de 20 de Março de 2012. Segundo Soares, parece que Sarkozy é " um reaccionário de raiz, volátil e oportunista ". Pois eu pensava que os reaccionários eram aqueles que Mário Soares havia combatido antes do 25 de Abril. Aqueles que preconizavam um Estado totalitário, sem liberdade e sem divisão tripartida de poderes soberanos. É isso que se passa actualmente em França?
Também o FDP (partido liberal da Alemanha) é descrito como "... de extrema direita." Soares, como anterior primeiro-ministro e Presidente da República tem obrigação de conhecer todo o apoio que a Fundação Nauman (órgão do FDP) prestou a Portugal nos anos posteriores ao PREC. Tratou-se não só de uma ajuda financeira, mas também de promoção da democracia.
“ Esquecem-se de que a China - apesar de ser hoje a segunda economia mundial - continua a ter um regime totalitário, puro e duro. E, excluída a Coreia do Norte, por enquanto não tem tido relações muito amigáveis com os seus vizinhos asiáticos, como o Japão, o Vietname, a Índia e mesmo Taiwan.
Por mim, que tenho vindo a observar com atenção a interessante e original evolução da China, pelo menos desde Tiananmen, sempre considerei que o cocktail entre um regime comunista dogmático, reconhecidamente duro, e uma economia neoliberal de capitalismo selvagem não pode - em princípio - dar nada de bom. As duas ideologias, o marxismo e o neoliberalismo, estão ambas em decadência. Mais o marxismo leninista do que o capitalismo de casino, é certo. Mas lá chegará, com pouca distância, o desgaste e a inevitável destruição de ambos. É uma questão de tempo. “
Este excerto é retirado do artigo escrito por Mário Soares no dia 27 de Março de 2012. Começa bem, ao denunciar a totalitarismo e opressão de que se reveste o regime chinês. Contudo, no segundo parágrafo alega que "as duas ideologias, o marxismo e o neoliberalismo, estão ambas em decadência." Não consigo perceber como é que um governo pode ser, em simultâneo, marxista e neoliberal. É um mix que desconheço em absoluto. Pode ser, e é mesmo o que parece ser, que Soares tenha confundido o marxismo com o totalitarismo. Mas ai incorre noutra falha. A ditadura é um regime. Como o é a democracia. Mas o neoliberalismo não é um regime, é um modelo. Modelo esse que a esmagadora maioria dos eleitores europeus votaram nos últimos tempos. E é esse um dos pilares da Democracia.
Pedro Castelo Branco
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