A Revolução Russa
De modo a encontrar o contexto histórico do advento da revolução russa, é necessário lembrar a revolução industrial, iniciada no século XVIII. Da industrialização, podemos relevar os seguintes factos: formação do proletariado, prática do capitalismo selvagem e evolução das ideias socialistas.
A Revolução Industrial consolidou o sistema capitalista e as relações de trabalho assalariado. Nestas, o trabalhador não tem qualquer controle sobre os meios nem sobre os instrumentos de produção, entrando no processo produtivo como mera força de trabalho não-qualificada. Tal situação, agravada pela enorme oferta de mão-de-obra existente, levou os capitalistas a explorar o proletariado de forma absolutamente desumana, configurando o que se convencionou chamar de “capitalismo selvagem”.
O proletariado, dada a sua recente origem, tardou em adquirir consciência de classe, que tornou difícil a coesão necessária para lutar por melhores condições de trabalho e de vida. Contudo, a partir de meados do século XIX começaram a ser formados as primeiras organizações de trabalhadores, o que levou à conquista de alguns direitos junto das classe mais abastadas.. Os governos dos países industrializados, controlados pela burguesia, obviamente dificultaram ao máximo a organização do operariado.
Assim, como a miséria dos trabalhadores permanecia sem expectativa de solução, alguns filósofos começaram a criar teorias que propunham mudanças na estrutura económica e social do capitalismo, com vista a criar uma sociedade mais justa e menos diferenciada. Surgiram então as ideias socialistas.
As primeiras teorias ficaram conhecidas pelo nome de socialismo utópico porque não pregavam a destruição do capitalismo, mas apenas a sua reformulação. Ou seja, na opinião dos socialistas radicais, essa atitude era utópica, já que, para eles, o capitalismo era intrinsecamente mau, não podendo ser reformado, mas sim destruído.
Embora o futuro tenha provado que o projecto de uma sociedade comunista era tão utópico quanto as teorias anteriores, o socialismo marxista seduziu milhares de intelectuais e milhões de operários e camponeses. Já em 1871, os comunistas, aliados aos socialistas utópicos e a uma facção de esquerda ainda mais radical , os anarquistas, realizaram aquela que se tornou a maior insurreição socialista antes da Revolução Russa de 1917: a Comuna de Paris. Mas a repressão do governo burguês foi implacável: 13.000 revolucionários foram fuzilados e quase 50.000, deportados.
Marx afirmava que a revolução socialista deveria triunfar nos países mais industrializados, onde o proletariado seria mais numeroso e organizado. Tal previsão falhou redondamente porque, nos países mais desenvolvidos, os operários já haviam conquistado certos direitos e benefícios, o que diminuiu, largamente, as base de apoio para desencadear uma revolução.
Restavam, portanto, os países atrasados, onde a exploração e miséria dos trabalhadores ainda se encontrava no auge do feudalismo. Nesses Estados, as condições para uma revolução proletária eram mais favoráveis.
Ao iniciar-se o século XX, o Império Russo apresentava um extraordinário atraso em relação às restantes potências europeias.
A economia ainda era basicamente agrária, praticada em latifúndios explorados de forma antiquada, através do trabalho de milhões de camponeses miseráveis. A industrialização russa foi tardia, dependente de capitais estrangeiros e apenas canalizada para um número diminuto de cidades.
A sociedade russa era ainda mais desigual que a sociedade francesa pré-revolução de 1789. Havia o absoluto predomínio da aristocracia latifundiária, diante de uma burguesia fraca e das massas camponesas marginalizadas. O proletariado russo era explorado de uma forma absolutamente desumana. Porém, já possuía alguma consciência social e política e estava concentrado nos grandes centros urbanos, o que facilitaria sua mobilização em caso de revolução.
O Império Russo era oficialmente uma autocracia (isto é, uma monarquia absoluta), com todos os poderes centralizados nas mãos do Czar. Não havia instituições políticas legalizadas, embora as houvesse na clandestinidade. A mais importante era o Partido Social-Democrata Russo, que em 1903 se dividiu em dois ramos: bolcheviques (marxistas radicais) e mencheviques (socialistas moderados).
A causa imediata da Revolução Russa foram os efeitos desastrosos do envolvimento russo na Primeira Guerra. Como membro da Tríplice Entente, juntamente com a Grã-Bretanha e a França, o Império Russo entrou em guerra com a Alemanha e império Austro-Húngaro em 1914. No entanto, e não obstante a boa reputação do seu império que, à época era chamado de “rolo compressor”, os russos não estavam à altura dos adversários. Estes impuseram às tropas do czar derrotas esmagadoras, que só não levaram a Rússia à rendição porque a Alemanha, dividida entre duas frentes de batalha (havia uma Frente Ocidental, contra ingleses e franceses), não pôde explorar as vitórias de forma triunfal. Mesmo assim, boa parte do território russo encontrava-se na posse dos invasores, com especial atenção para a Ucrânia, que era considerado o “celeiro do Império “. Esta invasão e tomada do território ucraniano provocou uma devastadora crise alimentar.
As pesadas perdas sofridas pelo exército, a juntar às dificuldades de abastecimento e às pressões inflacionistas dos bens de consumo primário, levaram o povo russo a uma situação de verdadeiro desespero. Assim, em fevereiro de 1917 (março, pelo calendário ocidental), principiaram manifestações em Petrogrado (novo nome de São Petersburgo), exigindo a saída da Rússia da guerra. As tropas da capital recusaram-se a reprimir os manifestantes e aderiram a eles. O czar Nicolau ll, que se havia refugiado num dos seus palácios, foi impedido de entrar em Petrogrado. Em pouco tempo, a insurreição alastrou-se por todas as grandes cidades do Império.
Como o príncipe-herdeiro era hemofílico, Nicolau ll preferiu abdicar em favor do seu irmão, mas este recusou o trono. Para que não se instalasse uma vazio de poder, a Duma (parlamento russo) nomeou um governo provisório constituído por aristocratas e burgueses, sob o comando do príncipe Lvov.
Tentando ganhar o apoio das massas, o novo governo adoptou uma postura liberal, decretando amnistia política. Com isso, milhares de prisioneiros foram libertados e centenas de exilados retornaram à Rússia. Entre eles, inúmeros revolucionários bolcheviques, liderados por Lenin. Imediatamente começaram a ser organizados sovietes de operários, soldados e camponeses, com vista à preparação da primeira, mas ineficaz, revolução socialista.
Recém-chegado do exílio, Lenin tentou um golpe de Estado em julho de 1917, mas falhou e foi obrigado a viver na clandestinidade durante alguns meses. O príncipe Lvov foi substituído na chefia do governo provisório por um advogado chamado Kerensky, do Partido Social-Revolucionário (apesar do nome, essa era uma organização política moderada), que gozava de uma relevante popularidade. Contudo, a popularidade desceu a níveis muito baixos, devido à insistência de Kerensky em continuar a guerra contra a Alemanha, apesar dos anseios de paz da população e da impossibilidade da Rússia poder arcar com um conflito militar de elevadas proporções.
Em outubro de 1917 (novembro, pelo calendário ocidental), os bolcheviques finalmente tomaram o poder. Os sovietes, que aparentavam não gozar de grande reputação, eram o poder de facto na Rússia, anulando o papel da Duma e de Kerensky. Um assalto ao palácio do governo, conduzido por soldados bolcheviques, resultou na fuga de Kerensky, que logrou uma fuga para os Estados Unidos. Algumas dezenas de jovens cadetes permaneceram nas escadarias e salões do palácio, com o objectivo de cativar Kerensky no poder.
A Duma foi dissolvida e o poder foi assumido por um Conselho de Comissários do Povo, chefiado por Lenin. O novo governo convocou imediatamente uma Assembleia Constituinte.
As eleições realizaram-se em condições de profundo caos. Os bolcheviques dominavam Petrogrado, Moscovo, Minsk e Kiev, no fundo, os grandes núcleos urbanos da Rússia Europeia. Mas o poder estava longe de ser estável no vasto território rural, e asiático, do Império Russo. Assim, as eleições deram maioria aos partidos não-bolcheviques.
A Assembleia Constituinte reuniu-se em Petrogrado em janeiro de 1918, numa única e isolada sessão plenária . Comprovada a hostilidade da maioria dos deputados ao Conselho de Comissários do Povo, Lenin ordenou o encerramento dos trabalhos e da assembleia. Estava dado o primeiro passo pata a ditadura comunista, que passou por diversos períodos do século XX.
Este modelo encontrado para dirigir os destinos da nação russa, fica marcado por um dos acontecimentos mais sangrentos da história da humanidade, tendo atingido o seu apogeu durante o consulado de Estaline que, com toda a sua vertente totalitária, foi responsável, de forma directa ou indirecta, pelo extermínio de quase um terço da população soviética.
Pedro Castelo Branco
Pedro Castelo Branco
1 comentário:
Muito interessante, PCB. Sou grande fã da história Rússia. Estas luzes desse período tão trágico foram muito úteis e deram mais significado ao livro que estou a ler de momento: a biografia de Sofia Tolstoi. Penso que ela terá sobrevivido ao período pós-revolução ... mas ainda não cheguei lá. Obrigada. pcp
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