12 novembro 2012

Fórmula para o caos


Imaginem que Xana, uma personalidade de esquerda, ateia, dirigente sindical, veterana das manifestações que por ai proliferam, que ostenta um visual ao estilo Occupy Wall Steet, com cabelo encarnado, diversos piercings, t-shirt com a famosa e comercial cara de Che Guevara e com tendência para não deixar os outros falar é convidada a participar num debate na televisão em horário nobre. Xana, quando desafiada pela moderadora a comentar a pobreza e as camadas sociais que a enfrentam, começa a vociferar verdades absolutas (Xana é adepta do Socialismo Cientifico de Marx, se cientifico, portanto, infalível) sobre esse flagelo. Mas Xana não considera importante falar sobre o combate à pobreza, prefere o combate à riqueza. Xana vê nos ricos a razão de existir dos pobres. Defende a repressão fiscal sobre as fortunas e o grande capital. Sobre os pobres Xana fala com sabedoria. Xana, qual educadora da classe operária, conhece todos os sentimentos dos pobres. E porque os conhece? Porque é munida de uma infinita sensibilidade social. Com uma resposta dessa magnitude, a moderadora demonstra um enternecimento atroz. Não poderia fazer outra coisa!

Agora imaginem que Isabel Jonet, pessoa que, sem nunca ter feito combate político, é reconhecidamente conservadora, católica, apelido estrangeiro, com voz serena e que fala sem ódio a qualquer tipo de classe está a debater na televisão. É-lhe colocada a mesma pergunta que havia sido a Xana. Isabel, usufruindo do seu direito de opinião, considera que existe um determinado grupo de pessoas (agora) carenciadas que deveriam reaprender a viver com o que têm. Que uma hierarquização das prioridades é imprescindível, que os bens básicos se sobrepõem aos produtos supérfluos. A moderadora, com ar intrigado, pergunta a Isabel Jonet se esta tem conhecimento das recentes estatísticas sobre a pobreza e as carências alimentares dos portugueses? Isabel responde, com a habitual serenidade, que conhece porque, já que o tema era esse, vê-se na obrigação de divulgar que é há mais de vinte anos máxima responsável do Banco Alimentar contra a fome. Instituição essa que ajuda 330 mil pessoas anualmente. A moderadora não se mostra esclarecida com a resposta. As redes sociais apelam à demissão de Isabel Jonet por esta não ter sensibilidade social.

Pedro Castelo Branco

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem escrito, PCB! É assim mesmo. pcp

arit netoj disse...

Bem visto Pedro, tem toda a razão nesta análise, obrigada por realçar esta injustiça.
Beijinhos

ACC disse...

Pedro,
Confesso que não percebo a sua argumentação. Se estamos a falar de esterótipos de esquerda progressista e de direita conservadora, porque não usou a Joana Amaral Dias de um lado e a Isabel Jonet do outro? São duas figuras públicas reias e mais comparáveis a todos os níveis.

Quer comparar o quê? As pessoas, o estatuto social e o papel que desempenham, ou discurso sobre a pobreza na sua forma e conteúdo?

Qual foi a pergunta, afinal?

Ou será que com este seu texto estamos aqui a repetir um fenómeno interessante que tenho vindo a observar em torno desta questão:
uma luta de classes (denominação clássica) ou de habitus (como eu prefiro definir)

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