Nietzsche(1) que,
entre genial e louco, deixou reflexões interpelativas, muitas de carga bem
negativa, mas outras lapidares e algumas até positivas, das que associamos ao
melhor da vida, exaltou a música. Referindo-se à vida, o filósofo alemão fez
uma observação na senda de Dostoievski, quando este sublinhou a importância da
beleza para a salvação do mundo. Na expressão do filósofo, privilegia-se antes
uma das expressões artísticas, talvez a mais subtil, afirmando: «Sem a música, a vida seria um erro.». Na
mesma linha, afirma ainda: «E aqueles que foram
vistos a dançar foram julgados loucos por aqueles que não podiam escutar a
música.» Note-se que Nietzsche morreu louco…
Com a quantidade incrível
de óptimos compositores de língua alemã, percebe-se, sem dificuldade, a
convicção do filósofo. Aliás, bastava Bach ou Mozart para fazer jus ao papel
maior da música no crescimento do ser humano e no progresso da humanidade.
Dois casos paradigmáticos,
ocorridos há uns anos, nos E.U.A., dão uma ideia inequívoca do impacto
fortíssimo da obra de Mozart no comportamento humano e até nas aptidões mentais.
Primeiro caso: um estudo
de uma das reputadas universidades americanas fez uma experiência com estudantes
de matemática, sujeitando metade do grupo a ouvir Mozart antes do exame,
enquanto a outra era privada da audição. O desfecho foi notável – as melhores
provas pertenciam à metade que ouvira a música. Mais alunos foram submetidos à
mesmo experiência, com resultados idênticos. Assim, a conclusão da investigação
considerava que a música luminosa do austríaco favoreceria o pensamento
matemático. Aliás, é comum afirmar outro tanto de Bach, embora não conheça experiências
académicas que comprovem esta tese.
Segundo caso: um centro
comercial da Califórnia debatia-se com problemas financeiros provocados pelas
constantes vagas de assaltos e má frequência do espaço. Pensaram em aumentar a
segurança, mas a solução não lhes agradava inteiramente, pois a presença de
agentes armados também afectava o ambiente alegre e descontraído que se
pretende nestes locais. A dada altura, resolveram ensaiar uma solução mais
ousada de um dos gestores e incluir no repertório da música de fundo do espaço
comercial, Mozart. Em especial, durante o horário de maior ocorrência de roubos.
Nem queriam acreditar no efeito fulgurante da nova opção musical: não só as
hordas de meliantes e marginais se mudaram para outras paragens, por sua livre
iniciativa, como os clientes com maior poder de compra aumentaram em número e
em consumo. Quem diria que o austríaco favorecia tanto o negócio!
George Steiner – pensador
judeu de referência, na actualidade, sempre audacioso e vanguardista nas suas
análises interessantíssimas da história – chega a responsabilizar os artistas e
os filósofos pela influência póstuma da sua obra sobre as gerações que lhes
sucedem. E concretiza, achando explicável (e culpabilizante) que a música de
Wagner ou a filosofia elitista de Nietzsche tenham sido tão apreciadas pela
elite nazi… e por isso tão perversas para o povo judeu, entre muitas outras
vítimas do nazismo. Uma reflexão que faz pensar…
Apetece citar o alerta do
próprio Nietzsche, que provavelmente se lhe aplica em primeira instância,
apesar da sua preocupação em desmascarar tudo o que entendia ser preconceito: «Acautela-te quando lutares com monstros, para que não te
tornes um!» Uma observação polémica, mas aplicável a alguns, parecendo ter contornos
auto-biográficos. Felizmente, está longe de corresponder a muitos (talvez à
maioria) das grandes figuras do passado. Quanta gente generosa e extraordinária
ficou para a posteridade, por ter sabido viver em contra-corrente, enfrentando
monstros que em nada afectaram o seu carácter magnânimo. Ao invés, a luta por
causas impopulares elevou-os e ajudou a elevar o mundo, como provaram Gandhi ou
Tagore ou Mandela, para apenas citar três.
Felizmente
que, no longo prazo (e sobretudo no longo prazo), o mal acaba por ter menos
alcance que o bem, embora os alerta de Nietzsche – tão consciente do peso do
mal – também sejam bem oportunos, nalgumas circunstâncias.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
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(1) Friederich Nietzsche (1844-1900), morreu
isolado, tendo vivido os últimos tempos entre a casa da mãe e clínicas de
doentes mentais. É dele a frase algo auto-explicativa: «Se
as minhas loucuras tivessem explicações, não seriam loucuras.». Há quem advogue (sem se conhecer
qualquer evidência sobre a veracidade desta tese) que a sua loucura foi
despoletada pelo espancamento de um cavalo, numa praça de Turim, onde o único
registo oficial que ficou para a história, reza que teve de ser controlado
pelas autoridades, por distúrbios na via pública. Há também quem atribua (nomeadamente,
outros filósofos e psicanalistas) à sua filosofia niilista a causa primeira das
suas perturbações psíquicas, que culminaram na rápida deterioração mental e
morte aos 44 anos de idade.
Nietzsche ao lado de sua mãe
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