11 junho 2015

Bem-aventurados os que choram *

Roberto lembrava-se da primeira vez que consultara a Dra. Inês para tirar do peito o aperto que o consumia:

Sabe Dra. Inês... Não leve a mal o que lhe vou dizer, mas a minha vida sexual lembra-me a frustração da primeira comunhão. Percorri a catequese que desembocava naquela festa tão branca, tão pura, tão promissora da proximidade com Deus. Mas sabe, quando chegou ao domingo seguinte, a minha mãe alegou enxaquecas próprias de uma rotina feminina e o meu pai reclamou um torneio de bilhar às três tabelas; quando dei por mim a minha mãe tinha uma mensalidade de trinta dias difíceis e o torneio de bilhar terminava próximo do infinito. Até me zanguei com o Padre Alberto por ele me ter enganado. Afinal, para alguns meninos, não havia primeira comunhão, mas única comunhão... Percebe-me Dra. Inês?

E a psicóloga, oferecendo as costas a uma carta de curso e à evidência da sua presença em seminários onde não se discutiam doenças, mas oportunidades de estudo, alegava que sim, que entendia, e tomava notas num moleskine encarnado para depois introduzir números e factos num programa informático que trabalhava perfis, comportamentos de risco, antecedentes criminais - e facturação ao trimestre.

A minha vida sexual é assim, doutora. Há uma primeira vez, uma entusiasmante primeira vez...

E Roberto recostava-se no sofá, comprado ao preço de uma ninharia num estabelecimento que fechara para mudança de ramo, e lembrava-se das primeiras noites: a música suave, a luz a morrer de sensualidade por acção de um reóstato eficiente, dois corpos que se juntam, se tocam, se despem, percorrendo um território que se desconhece mas pelo qual se anseia; a Marília, a Tânia, a Susana, a Antónia, a Elisabete; botões que se desapertam, roupa bonita que tomba sem um ruído na alcatifa, a nudez total e ávida que se oferece ao toque, ao beijo, à carícia, ao desejo; bocas e mãos que exploram e devoram, almas que se deixam enredar por uma necessidade carnal onde o limite não encontra terra fértil.

E depois dessa primeira vez doutora? Sabe o que acontece?

E a Dra. Inês a saber tudo, mas a incitar o Roberto à catarse, ao choro, ao reconhecimento que, tal como a comunhão, não havia uma primeira vez, mas uma única vez. Aquando da sua meninice não tinha havido uma segunda oportunidade para ele engolir aquela bolachinha de água e farinha que recompensava quem era bom e não entristecia o bom Jesus; agora, em adulto, as Marílias e as Antónias desapareciam sem quase deixar rasto, não pelo seu desempenho nas artes do sexo – com classificação na ordem do satisfaz bem / satisfaz muito bem – mas porque viam um futuro inconsistente, que é mais dramático do que não ver um futuro...

E Roberto, encostado no sofá comprado nas oportunidades que sempre são a falência vizinha, chorara inconsoladas sessões contínuas frente a uma doutora Inês que, emoldurada por um renque de cursos e encontros profissionais, meditava sobre a desdita dos que choram e da melhor forma de os consolar...

Um dia, Roberto faltou à sua sessão quinzenal; reagendou-a, mas voltou a não comparecer; ainda telefonou, engasgado numa desculpa. Que sim, que marcaria, que apreciava muito o trabalho da Dra. Inês, que se lembrava bem do alívio que recebia e do recibo verde que ficara de recolher, do bem que lhe tinha feito, etc., etc., etc.

Quando soube dele - estava a psicóloga a negociar uns candeeiros de pé de um consultório falido - o paciente tinha aberto uma sex-shop e entrado como sócio para uma empresa de match making que, inovadoramente, desenvolvera um software assente nas incompatibilidades pessoais para detectar as suas inversas. Roberto tinha-se oferecido para case study - e o sucesso tinha sido meteórico.

Obrigado, Dra. Inês. Sinto-me mais consolado. Já lhe tinha falado na Olga? Nunca vi pessoa mais diferente de mim...

JdB

* publicado inicialmente em 7.06.2010

1 comentário:

Anónimo disse...

pois.... lê-lo neste registo é seguir a "lanterna" do talento.
nobreza sua pois não se lhe conhece amiga com os nomes próprios das protagonistas amorosas

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