Caro
sobrinho:
Colocas-me
diante de uma questão essencial do combate à fé cristã.
De
facto, há que evitar por todos os meios possíveis que os humanos tomem para si
o exemplo de outros que passaram, antes deles, por esta terra.
Não
há nada mais abominável que um santo que ilumina essa gentalha, ajudando-a a
atravessar as dificuldades da vida.
Por
isso gostava de partilhar contigo quatro estratégias para destruir a imagem de
todos os santos. Se as aplicares bem, terás resultados imediatos e duradouros.
Aliás, basta aproveitar os exageros desses miseráveis humanos para os afastar
do nosso grande Inimigo.
1ª
Estratégia: OS SANTOS MILAGREIROS
Esta
estratégia talvez seja das mais fáceis de aplicar uma vez que, mesmo sem a
nossa ajuda, já toma proporções escabrosamente saborosas. Há humanos cuja
formação cristã é tão rudimentar que tomam os santos como uma espécie de deuses
aos quais devem adorar. Levam consigo dinheiro, fotografias, velas, papelinhos,
depositando neles a secreta esperança de que tudo mude no dia seguinte.
É
bom acalentar essa esperança e fazer-lhes crer que podem ficar à espera de
braços cruzados. É que, conforme constatam que, uma e outra vez, nada muda,
acabam por ganhar uma tal frustração que, mudarão de santo em santo até à
exaustão; e, se tudo correr em nosso favor, irritar-se-ão com as coisas de Deus
e acabarão por se afastar definitivamente do caminho de fé. Os que me preocupam
são aqueles que, fazendo exactamente os mesmos gestos, se limitam a pedir a
intercessão desses santos para que Deus lhes dê a luz e a força para que
ultrapassem as suas dificuldades. E o mais assustador é quando sabem que tudo
depende também do próprio esforço. Esses são obstinados; muito difíceis de
enganar.
2ª
Estratégia: OS SANTOS PÁLIDOS
Algo
que me diverte é constatar como alguns humanos representam os santos. Uns, num
estilo excessivo cheio de dourados e brilhantes. Outros, no estilo muito
despojado, de cabeça caída, cara pálida e olhar ausente. Uns e outros, fazendo
uma muito pálida ideia do que seriam os próprios santos, como pessoas, no
dia-a-dia. Quando os humanos, através das imagens, são induzidos a crer que os
santos pertencem a um tempo muito antigo – ou melhor ainda, mítico - ou que,
simplesmente, não parecem deste mundo, e que, se passaram por cá, foi quase por
acaso, esse é um grande contributo para a nossa missão.
Um
outro extremo com o qual me regozijo é quando eles representam os santos nos
materiais e na dimensão dos brinquedos das crianças. Não há nada mais agradável
que ver os humanos a acreditar em talismãs que levam na carteira ou no carro.
Os que nos dão verdadeiras dores de cabeça são aqueles que param a rezar nas
igrejas e sabem que aquela imagem é apenas uma representação; ou aqueles que
levam uma medalhinha consigo e sabem que ela não tem poder mágicos, mas - algo
muito mais insidioso – aproveitam-se dela para abrir o coração Àquele que nós
queremos que eles esqueçam.
3ª Estratégia: OS SUPER SANTOS
Sempre
que os humanos - com as suas projecções - idealizam os santos, isso deve
deixar-nos verdadeiramente satisfeitos. Sempre que, em pinturas ou esculturas,
em filmes ou biografias, exageram as qualidades humanas e espirituais dos
santos e omitem todo o tipo de sombras, lutas e dificuldades que tiveram, isso
dá um efeito espantoso! A ingenuidade dos humanos é tal que, ao representar os
santos dessa maneira, não percebem que, em vez de embelezar e oferecer um
modelo a si próprios, estão a inventar alguém que nunca existiu; e essa é a
melhor forma de criar dois mundos aparentemente afastados: o dos santos e o dos
humanos.
Não
é preciso um esforço imenso para que os humanos se convençam de que nada têm a
ver com aquela gente. Aliás, o supra-sumo disto é quando os mantemos na ilusão
de que os santos nasceram santos, ou tiveram uma conversão repentina e nunca
tiveram que subir a longa escada da santidade! Isso é hilariante; e tem efeitos
admiráveis. Qualquer humano fica esmagado pela frustração e pela culpa, ao
pensar que é o único que se bate com aquelas tentações ou limitações; e que
nunca será capaz de chegar a Deus. Pelo contrário, se condescendermos em que
seja mostrada qualquer debilidade ou fragilidade que seja dos santos, é dar
oportunidade a que essa gentinha humana se identifique e encontre neles alguma
pista para o seu crescimento. Isso é arriscado demais: seria catastrófico para
nós!
4ª
Estratégia: OS SANTOS-A-EVITAR-A-TODO-O-CUSTO
Independentemente
do sucesso das estratégias anteriores, vale tudo para fazer com que os humanos
acreditem em santos irreais, santos que nada tenham a ver com as suas vidas. O
pior que nos poderia acontecer era que eles descobrissem os santos que acordam
a meio da noite - várias vezes - para acudir um filho e, de manhã, agarram em
si e ainda vão trabalhar; os santos que passam o dia sentados à secretária,
entregando-se a um trabalho monótono mas que sabem beneficiar tanta gente; os
santos que ninguém vê, porque não têm condições físicas para sair de casa, ou
do hospital, ou do lar; os santos que adormecem no autocarro, apertados e
aquecidos pelo respirar de todos, em dia de chuva, e ainda oferecem o lugar; os
santos que sujam as mãos no mundo da droga, da miséria ou da política, para
limpar a alma da sociedade; os santos, enfim, que arriscam a vida na luta pela
justiça e pelo bem comum. Todos esses são os mais ameaçadores para a nossa
missão.
Neste
ponto, é impreterível que persuadamos os cristãos a continuar a declarar santos
apenas a padres e religiosos, esquecendo esses outros humanos, que vivem
inseridos no mundo. O pior que nos poderia acontecer era que qualquer pessoa na
rua considerasse a santidade como algo que tem a ver consigo. Esperemos que
isso nunca aconteça. Seria o fim da nossa espécie.
Casa
do Enxofre, no insuportável Dia de Todos Eles
Vorazmente
Teu,
Tio
Escritorpe
(* C. S. Lewis, in Vorazmente Teu)
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