Istambul, Junho de 2014 |
Em 1933, Patrick Leigh Fermor (Londres, 1915 - Dumbleton, 2011) encetou uma viagem a pé que o levaria de Roterdão a Constantinopla. Patrick L Fermor tinha 18 anos, e definira regras específicas para a viagem, uma das quais passava por nunca fazer de comboio, autocarro ou carro, uma distância superior àquela que faria a pé. Ir a pé é ir a pé e, embora haja motivos que possam levar à necessidade de apanhar uma boleia, esses motivos não devem falsear a intenção primária da viagem. Leigh Fermor tinha um casaco, umas botas resistentes, uma mochila (com peças de roupa, caderno e lápis e, extraordinário! um ou outro livro de poesia, e um bordão de peregrino). E fez-se à estrada até Constantinopla.
[Há um motivo para o livro A Time of Gifts (publicado originalmente em 2004) referir Constantinopla em vez de Istambul, mas talvez a explicação seja despicienda.]
Porque viajamos? (ou será que a pergunta deveria ser como viajamos?). Viajamos com uma intenção específica: conhecer uma cidade, um museu, um goulash, uma igreja. Ou viajamos sem uma intenção específica, como fez Leigh Fermor, pese embora ter um destino específico. E nessa não intenção específica reside uma esperança de que nos aconteçam coisas - intempéries, pessoas, estradas cortadas, revoluções ou noites alegres de cerveja e amor de ocasião, pensamentos, epifanias. Talvez viajemos, também, com a esperança de corroborarmos nos detalhes com que nos confrontamos uma visão prévia, do tipo Budapeste não é nada como eu pensava, ou Budapeste é exactamente como eu pensava.
Leigh Fermor definiu alguns aspectos básicos - ponto de partida, ponto de destino e um ou outro ponto de passagem obrigatória, nomeadamente para recolher dinheiro que lhe iam enviando de forma parca, ainda que organizada. Sendo que a viagem foi feita em 1933, o rapaz não preparou a viagem, o que é um certo conceito de turismo moderno - horários de museus, taxa de câmbio, localização dos albergues, bilhetes pré-comprados, quantidade de calorias em cada prato local. Ao contrário do que nos é ensinado (ou de contra uma ideia pré-concebida), Leigh Fermor começou culto - citava Horácio em Latim, sabia tudo de Berlim sem nunca ter estado em Berlim - mas acabou curioso. A curiosidade como ponto de chegada, e não como ponto de partida.
Leigh Fermor levou uma mochila, um casaco bom, umas botas resistentes e um bordão de peregrino. Partiu culto para regressar curioso. Não levou quase nada, e caminhou na expectativa de que podia acontecer-lhe quase tudo. Uma boa metáfora para a vida.
JdB
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