Olho mentalmente para tudo o que escrevi nestes últimos quinze anos sobre este mesmo tema e penso: continuo no mesmo registo? E depois penso: há algum registo? A resposta a ambas as perguntas é simples: não sei. Escrevi sobre o sentido da vida, sobre o sofrimento transformado em história, sobre o colo de Nossa Senhora ou sobre o Deus que não é senão amor. Inventei diálogos, reproduzi diálogos, lembrei-me das pessoas que souberam estar ao meu lado e das pessoas que não souberam e das que não conseguiram e daquelas a quem não ocorreu estar. Lembrei-me das amizades que reforcei, das amizades que criei e que se mantiveram fortes contra todas as possibilidades, das amizades que ficaram pelo caminho; lembrei-me do que ruiu e do que se construíu de forma diferente, falei dos vivos e dos mortos, da fé que salva e redime - ou que tem essa possibilidade.
Falei de tudo e do seu inverso, como se o meu registo fosse uma ausência de registo definido ou o somatório de todos os registos. Todos estes temas são pedras que ajudaram a calcetar a estrada que percorri, e que ajudarão a calcetar a que hei-de percorrer. O meu registo talvez seja esta vida - pese embora uma frase que pode ser entendida como presunçosa.
Este dia, mas há 15 anos, não se lembra hoje. É lembrado todos os dias, às horas mais diferentes e sem regra. É lembrado quando se ouve uma história semelhante, quando se pensa numa obra física que ajude os que virão a seguir àqueles que por aqui já passaram, quando se fala em vulnerabilidade, em injustiças da vida, em dedicação, em bondade. É lembrado quando falamos em compaixão, em serviço, em humildade, em paz. É lembrado quando vemos os sofrimentos nos outros, os orgulhos em nós, quando percebemos a nossa própria alma devorada pelas coisas comezinhas, pelas pequenas vitórias que apoucam o outro, pelos silêncios que magoam ou pelas palavras que agridem.
O dia de hoje, materializado numa mão que se mantém na nossa mas que agarra uma outra realidade, não é uma lembrança mais doce ou mais incómoda por nos remeter para momentos dolorosos. É, acima de tudo, uma memória que aglutina, que consolida, que desafia; uma memória que abre espaço para olharmos para o infinito, sendo que a expressão não deve ser lida como uma presunção literária, mas como um objectivo de vida: ver mais além, passar por cima da espuma dos dias, olhar além do desfocado que são as quezílias com que nos defrontamos e das quais não sabemos ou não queremos fugir. O dia de hoje não recorda um ente vago que por aqui passou, apesar de uma aura de mistério divino. O dia de hoje é o nosso passado, o nosso presente mas, acima de tudo, o nosso futuro. É para ele, e para quem já cá não está, que olhamos com um misto de saudade e confiança, a união harmoniosa de sentimentos diferentes e, contudo, tão próximos.
Foi hoje, mas há 15 anos. E será hoje, para sempre, enquanto o discernimento e a força o permitirem.
Na sua bondade sem fim / quis Deus olhar para mim / dar-me um pouco do que é Seu...
J (e todos os outros cujos nomes conheces e soletras com um amor infinito)
3 comentários:
«DEus pregou-TE uma partida». São 15 anos de memória dessa pregação.As palavras de esperança e fé então Pregadas, ecoam continuadamente em ti e delas dá-nos sempre entusiasmado testemunho, e isso impressiona e inspira-nos a todos, a quem Deus também já pregou ou pregará partidas.
Obrigado
ATM
Lindo texto! Beijinho grande querido primo!
a saudade é o prolongar do amor pela nossa eternidade. maravilhoso
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